Crônica 1000

Vejam o número 1000. Parece o ponto alto do escritor virtual. O carro dos bombeiros já deve estar chegando. Serei levado pela cidade com a sirene ligada e portarei uma caneta. O povo atento aplaudirá.

É mais uma ilusão intelectual. Nunca se explorou tanto a capacidade inventiva das populações quanto nos dias de hoje. O trabalho intelectual atingiu finalmente a inexpressão devido a quantidade. A melhor banalização da fórmula de atuação.

Para ser um grande escritor o negócio é atingir uma quantidade assombrosa de textos. Mil é pouco. Penso que parece significativo. Talvez alguém possa encontrar nesses mil itens algo que valha a pena receber um bocado de tinta.

O Presidente da República acabará por mandar um bilhete contendo elogios. Os amigos que nunca me leram ficarão cheios de alegria. Haverá efusivos abraços. Um padre rezará missa pela minha alma laica de escritor com mil textos. As mulheres passarão a me olhar na rua com intensa curiosidade. Os meninos diplomados se roerão de inveja. O prefeito insistirá para que eu discurse. Será o dia mais feliz da minha vida. O mais feliz até que alguém bata em meu ombro e diga: o que você ganhou com isto? A mais estúpida das felicidades: a felicidade espiritual dos que se dizem isentos da fome e do frio. Suponho que mais uma vaidade sendo um mil de araque. O mil dos computadores.

Há outros milhares que festejam até bem mais. Minha felicidade é rústica: devia ter feito gols. Devia ter corrido de carro. Devia ter nadado até perder as guelras. Mas um ridículo brasileiro alcançou a margem de mil textos e isto soa besta. É na verdade uma bobagem que só o mais triunfalista dos imbecis pode se contentar. Sou um deles. Creio que minha crônica mil vale ouro. E está desde já exposta a lances porque desejo vendê-la. Está aberta para compra. Digna de oferta de todo o mundo.

Abro a janela do décimo andar e berro: mil textos! Mil textos! Lá fora há dois grupos que se dividem entre a gritaria. Uns dizem: se atira. Veementes. Outros dizem: não faça isso. Timidamente. Coisas assim é que dão manchete na américa.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 22/12/2010
Código do texto: T2686710
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