É preciso que se preste mais atenção (ou – O culpado foi o espelho)
 
 
 
Custa tanto saber o que se sente quando reparamos em nós!... Mesmo viver sabe a custar tanto quando se dá por isso... Falai, portanto, sem repardes que existis..
(Fernando Pessoa)
 
Não adoeci de repente. A doença é um processo que acontece gradualmente. E essas palavras de Fernando Pessoa são verdadeiras. Não me lembro de, quando alguém me pergunta, Como está você?, não me lembro de ter parado e pensado antes de responder com sinceridade – a resposta é sempre a mesma, bem, estou bem. Mesmo agora. O que estou sentindo? Não sei responder. Custa tanto saber o que se sente quando reparamos em nós!...Estou com medo? Estou triste? Estou preocupada?

Medo? Não. Triste? Não. Preocupada? Não. Estou muito aborrecida comigo mesma porque não posso fazer as coisas que planejei. Não posso sair para comprar meus presentes de Natal. Não posso ir para a beira do fogão cozinhar na Véspera de Natal e no dia seguinte. Não posso descer a escada e estou confinada ao andar de cima da casa. Nem mesmo posso fotografar a decoração de Natal de minha casa.

Eu já estava bem ruinzinha. Câimbras constantes na perna que foi afetada. .Um cansaço mortal que eu chamava de preguiça. Um sono fora de hora. Uma fome noturna sem propósito. Médico? Ano que vem eu vou, dizia a mim mesma. O organismo pifou.
 
 
Foi no domingo dia 12 que o grande aviso chegou. Eu tinha um evento para ir. Chovia a cântaros. Vou a pé, táxi ou dirigindo? A Igreja fica a duas quadras de minha casa. Nem táxi nem dirigindo. Como a chuva tinha parado fui a pé. Foi dar o primeiro passo fora de casa ela atacou: a câimbra. E o pé desapareceu. Eu pensei: tenho perna e tenho pé, então chego lá. O cérebro assumiu o comando e a cada passo ele dizia: prá frente, pé. Fui, vi e voltei.

E a vida continuou desapercebida. Na quarta fui fazer RPG normalmente. Na quinta me preparava para ir trabalhar no segundo turno, por volta do meio dia: estava no banheiro, frente ao espelho, escovando os dentes. De repente, onde estão minhas pernas? Olhei no espelho e vi que estava me inclinando lentamente para a esquerda: eu ia cair. Segurei-me na bancada da pia com a mão direita e fui, suavemente. Caí, mas sem me machucar. O que eu não sabia era a força que eu tinha na garganta: meu grito deve ter acordado até os mortos. Em menos de um minuto todos estavam do lado de fora do banheiro mais nervosos do que eu. Que consegui abrir a porta. 
 
Uma hora mais tarde tendo decidido o que fazer, voltei para acabar a escovação dos dentes. A situação se repetiu embora antes de cair eu tivesse sido amparada. Mas minha mãe concluiu: Pare de olhar no espelho! Foi ele, o espelho, o grande responsável por tudo. Mais tarde, já no Hospital, minha amiga confirmou:Minha irmã não entra em cômodo onde tem três espelhos de maneira nenhuma. No meu banheiro tem três espelhos.