A Arte dos Nossos Dias
De vez em quando ficamos intrigados com alguma coisa que está acontecendo em nossa volta. Sabemos e até identificamos o que não vai bem, mas faltam-nos palavras adequadas para que o outro, o ouvinte, ou o leitor possam entender a nossa reclamação. Acontece um fato novo, alguém na imprensa toca em algo semelhante e de repente a gente consegue por no papel o nosso incômodo. É o que começo a fazer com o meu leitor amigo, como se estivéssemos na mesa de um bar, num domingo ensolarado.
Em junho deste ano de 2010 prestei muita atenção a um concurso literário promovido por um jornal da cidade. Fiquei impressionadíssimo com os temas abordados pelos 10 vencedores do certame. À exceção de dois, as narrativas eram muito delirantes, fantasiosas e apontavam para o lado negro, sujo, triste da vida. Nenhum dos contos privilegiava o lado luminoso, a alegria de viver, a esperança, a superação, o positivo. Nenhuma reflexão, mesmo que indireta. O patológico é que era a grande sacada desses escritores, com estórias com muito pouca verossimilhança com a vida real.
Fiquei tão impressionado com este fato que botei atenção nos comentaristas de literatura. O interesse do comentarista era sempre pelo lado sujo, fantasmagórico, louco, patológico. Sempre a excrecência na mira dos que fazem hoje literatura. A arte do simples, do luminoso, da vida com significado positivo, para os medíocres da nossa triste atualidade parece que não passam de alienação.
Este horrível estado de coisas fica muito claro nos programas e novelas da televisão. E nos filmes também. Não quero nem dar o exemplo do filme brasileiro que está fazendo “sucesso” retumbante, o que mostra como herói o tal do Capitão Nascimento. O grave problema social no Rio de Janeiro até explica algum interesse no filme. Mas isto não é absolutamente arte.
Leio ,hoje, no jornal que o filme americano “Rede Social”, contando a história da criação do “facebook”, deverá ganhar o Oscar deste ano, apesar de achar que será um exagero. E o comentarista confessa que os diálogos do filme ninguém entende, para logo depois amenizar o que disse, esclarecendo que mais adiante os diálogos melhoram. Melhoram? Tenho certeza de que não melhoram pelo simples fato de não existir mais a reflexão esclarecedora e criadora.
O que vemos hoje são artistas saltimbancos pulando como macacos nos palcos e nos megaespectáculos, onde só se ouve grunhidos e ruídos.
Como minha alma se encheu de alegria quando li Fernanda Torres, filha da grande artista de teatro Fernanda Montenegro, se referindo aos artistas de verdade, que fizeram do teatro “seu lugar de crescimento, libertação e cura: Bibi, Nanini, Procópio, Dulcina, os Paulos Autran e José, Marília e Dercy, Cleyde e Cacilda, Lilian, Bethânia, Raul, Tônia, Sérgio, Ítalo, e tantos outros entes pagãos e divinos, que só o teatro sabe forjar”.
O que vemos hoje? Jabor, também revoltado com essa mediocridade imperante, diz no seu linguajar direto que estamos assistindo “ artistas” que querem aparecer a todo custo, nem que seja expondo seus excrementos numa latinha. As mulheres frutas e as grandes bundas não desmentem o cronista.
Fernanda Torres, ao falar da memorização de uma dramaturgia, explica que sua mãe, Fernanda Montenegro, tinha e tem uma verdadeira luta bestial, que chega a ser um ato de loucura, repetindo obsessivamente os parágrafos para poder se apropriar do conteúdo. E arremata: “E é justamente aí, na negação da mecanicidade, da facilidade, do jogar fora, que se encontra o salto triplo que a diferencia do resto da humanidade. Vem da batalha com a memória a sonoridade única, a dissonância de sua maneira de representar”.
Meu Deus! Como são tristes os dias de hoje na arte da representação e do divórcio da reflexão. O salto triplo, a bela metáfora usada pela talentosa filha da Montenegro, nos medíocres torna-se literal, principalmente na música, naquele batidão primitivo de doer. Talvez a grande sensação da plateia seja vê-los se esborracharem no chão, como vem literalmente acontecendo.
Esses saltimbancos do século 21 , em palcos modernos e de alta tecnologia, não passam de charlatães, atuando para plateias mambembes. É urgente que essa gente saiba o que disse Goethe a respeito da arte: "O maior problema de toda arte é produzir por meio de aparências a ilusão de uma realidade mais grandiosa."