Cães
Hoje, na minha improdutiva caminhada dominical, um cão resolveu me acompanhar. Na realidade eu nem o tinha notado. Quando percebi, confesso, achei meio bonito deparar com aquele olhar vago que só um cãozinho meio avermelhado e vagabundo pode dar a cada vez que me virava para verificar se vinha algum carro desembestado. Cercava-me um ar de amizade, fidelidade, paz e, até diria, um pouco de compaixão pouco comum nestes dias de mundo-dinheiro.
Com o passar do tempo a minha condicionada natureza egoísta começou a se incomodar. “Vai me dar algum trabalho e custar-me algum resto de comida este cão-vadio-meio-avermelhado”- buzinava algo em meu ouvido! Uma vizinha de minha mãe disse que um desses importunos, do nada, acomodara em sua residência e acabou por adotado pela mesma. Enterrado muitos anos depois no quintal com o prenome de Chulinho. (Parece que gostam de viver bastante!) Parei para ver ser realmente me acompanhava ou estava apenas a andar coincidentemente pela mesma via.
O animal parou também!
O alarme soou forte: “Vai me acompanhar até minha casa!”
Como um cientista convicto fiz um novo teste: retornei à maçante caminhada para logo em seguida parar de novo e de novo e de novo... E ele a me acompanhar! Confirmando as minhas asserções, faltava-me essencialmente então uma convicção sobre o que fazer e, garanto, não ando com muita fiúza no meu juízo. Deveria enxotar o pobre coitado porque estava acompanhando a minha pouco frenética marcha? Será que não apenas queria uma companhia até o seu destino? Será que tinha dono? Será que ...? Da minha mente científica começava a sair fumaça de conjecturas.
Na realidade, mesmo, no fundo, eu não queria é pagar o mico de ficar atirando pedras no bicho. E se o real dono estivesse a espreita a olhar se seu animal seria fustigado por alguém no seu itinerário? Acredito, meio ressabiado, que não tenho nenhum dono, entretanto senti um pouco de mim naquele cãozinho. Bobagem, senhor-menino bobo! Uma buzina estridente de um caminhão, que tira fina do bicho, me acorda de minhas divagações. Assustado com o barulho, ele sai correndo para o meio da pista e é cinematograficamente atropelado por um Uno verde que brota subitamente na pista oposta à do caminhão.
Aquele bafafá! Desocupados matinais discutindo a origem e desgraça que improdutivo finado causara ao precioso pára-brisa do Uno 92.
Eu, como não tenho muita afinidade a tripas, continuei a minha inútil andada com uma preocupação a menos na minha espetacular cabeça-caixa-registradora!