Natal na Mina
Guardo na memória lembranças de um tempo não muito distante.
Subir o Cauê.
Catar musgos.
Escolher a orquídea mais bela.
Recolher a pedra de esmeril brilhante.
Na subida, nossas mães em companhia de meninos e meninas carregavam dezenas de balaios montanha acima.
Subida difícil!
A cidade ficava cada vez mais distante.
Mato molhado.
Cheiro forte de enxurrada.
Montanha lavada pela chuva que caiu durante a madrugada.
Vento frio de cortar os ossos.
Após o dia inteiro na montanha.
Voltávamos para as nossas casas cansados.
Valia todo aquele sacrifício.
Na manha seguinte.
Socar a pedra.
Penerar o pó da pedra.
Fazer grude.
Providenciar um saco de linhagem.
Colar o pó.
Construir a lapinha.
Buscar a areia na chácara do Zé Sergio.
Colorir com a anil.
Deixar secar.
Recolher o barro no caminho do Pontal.
Fazer a massa.
Amassar.
Reconstruir a vaquinha e os carneirinhos que foram quebrados no Natal passado.
Tudo pronto.
Armar o presépio.
Aguardar a noite em que Deus menino resolveu habitar entre os homens.
Nos dias que antecedia o natal, o Papai Noel da mineradora, percorria as ruas do Explosivo, do Acampamento de Capim do Campestre, do Berra Lobo e Conceição, em um carro aberto, ao som da bandinha do tio, Maestro José Dorotéia Reis e outros músicos da Mina.
Todos o conhecia como Zé Nova Era, contagiava a todos com sua irreverência.
No trajeto, balas e balões eram atirados por todos os lados para a alegria das crianças.
Enquanto isso, dezenas de funcionários distribuíam cestas de natal da Columbia, repleta de nozes, castanhas e bombons, vinhos e biscoitos Maria.
Recebíamos também tecido para o uniforme do Grupo Escola Emilio Pereira de Magalhães.
Cadernos, régua, lápis e borrachas eram ofertados.
Brinquedos somente para os filhos dos doutores e alguns chefes da alta.
Sei não!
Nosso Pai recebia a gratificação ou horas como era chamado o pagamento do final de ano.
Estava garantido a compra do pernil no armazém do Bento, pertinho do ponto dos aflitos ao lado da boca da mina.
Não havia ponto suficiente para fazer as compras no armazém da mineradora.
O mesmo foi gasto no inicio do mês.
Galinhas, patos, ovos e doces, vinh no caminhão de Sr Teixeira comerciante da cidade de Santa Maria.
Tudo era detalhadamente preparado.
Eis que a noite esperada chegava.
Descia a Rua Santana gente de varias localidades.
Vindas do acampamento de Capim, Santana, Explosivo, Campestre, Berra Lobo, todos com um só objetivo.
A missa do Galo.
Meu Deus quanto encanto.
Aguardávamos o cântico do Glória, entoado pelo coral da matriz sob a regência de Só Ninico Amâncio.
Orgulhosamente percebíamos a voz da nossa mãe no meio de muitas vozes.
Meia noite!
A imagem do Deus menino era trasladada do altar principal para o presépio.
Ecoava em todo interir do templo a bela cançâo, Noite Feliz.
Na torre direita da Igreja, o sino Elias solenemente anunciava o Natal.
O incenso vindo turíbulo, exalava por todos os cantos.
Momento de pura beleza e emoção.
Na manha do dia seguinte, a visita a casa da Vó, lá na Rua de Baixo.
No canto da sala de visitas ao lado do presépio, um galho de cedro contendo lembrancinhas para cada neto.
À tarde.
O show de Natal na sedinha do Valério Campestre.
O sorteio de brinquedos.
Uma gigantesca arvore de Natal girando no canto do salão.
Aquilo nos fascinava.
Tempos de vidas difíceis.
Mas um tempo de paz e de muitas esperanças.
Assim era o Natal dos Mineiros de Itabira.
Assim era o Natal dos meninos e meninas da Mina.