Tempo
Tempo (tic tac tic tac). Incrível o quão semelhante é o som entre um simples relógio e uma bomba pré-programada. O relógio também explode. Explode minha paciência, minha carência, minha leve demência. Vamos! Não tenho tempo! (tic tac tic tac). Não posso perder meu tempo! Ao expelir essas frases, o sem-tempo não percebe a incrível contradição em que se inclina: como pode perder algo que sequer possui? Ou que pelo menos insiste em dizer que não detém a posse. O sem-tempo – sem-vida, sem-teto (?) – espreme-se em sua corriqueira rotina. Isso porque o tempo insiste em pregar-lhe peças, insiste em ser constantemente escasso (ou, às vezes, incomumente inexistente).
Quando, nos achados e perdidos, o sem-tempo encontra seu mais precioso objeto (muitas vezes já amassado, corrompido), e enche-se de vigor. E então, com um ímpeto animalesco, põe-se a investir (?) seu tempo em futilidades corriqueiras (não cabe a mim decidir o que seja ou não fútil, pois cada empresário do tempo deve conhecer bem o seu almejado objeto de investimento). Depois, já com saldos negativos temporais, põe-se a reclamar de seus filhos, de sua esposa, de seu lar. O ser humano sempre cede aos mais fracos o “dom” da culpa. Como minha esposa, tão fiel e casta em sua santidade, pôde me trair? Como minha filha, no alvorecer de sua juventude, pôde engravidar? Como meu filho, em seus constantes tempos de estudo, põe-se a se drogar? Bem, Sr. Sem-Tempo, esses são os juros cobrados pelo BRT – Banco de Reservas de Tempo -, que há muito, em sua vida, emprestou-lhe escassos (mal utilizados) tempos. Parcela em quantas vezes? Atende pelo crediário? Aceita cartão de crédito? (Risos) Sr. Sem-Tempo, a dívida com o tempo é eterna, impossível de ser quitada.*
Anos se passaram. O infalível tempo cedeu ao sem-tempo profundas rugas em sua pálida face. Porém, em troca, o sem-tempo não fora contemplado com a experiência. Isso porque este recurso só pode ser adquirido por exímios administradores do contratempo (ou por aqueles que possuem bônus suficiente para adquiri-lo em uma de nossas lojas credenciadas).
O Sr. Sem-Tempo um dia sucumbiu. Sua pálida face acinzentou-se. Seus olhos, sedentos de tempo, foram consumidos pelas pacientes larvas. E agora? O que deixei? O que construí? Em que me firmei? O que me resta agora? Agora, o Sr. Sem-Tempo mudou de nome. Agora ele se confunde com o próprio tempo. E o Sr. Sem-Tempo finalmente adquiriu uma incrível capacidade: agora possui todo o tempo do mundo (e quem sabe até de outras galáxias) para pensar. Sua felicidade estaria completa se não fosse o clima quente e abafado de sua cidadela mortal: Sete Palmos do Chão, Hell City.
*Obs.: A máquina do tempo não mais é fabricada, devido aos graves efeitos colaterais (temporais). (Em letras miúdas, lógico. Técnica de marketing.)
Autor: Elvis Gomes Marques Filho
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