De Pipa, pleuras e vulvas

Itamaury Teles

Compareci ao II Festival Literário da Pipa, no Rio Grande do Norte, no final de novembro último. Pipa é um charmoso distrito litorâneo, no município de Tibau do Sul, que fica a 80 km da capital potiguar. Suas falésias já serviram de cenário para a abertura do Fantástico. É a Búzios do Nordeste, com suas pousadas paradisíacas, bons restaurantes e boutiques sofisticadas.

Para minha surpresa, lá encontrei o escritor João Ubaldo Ribeiro proferindo interessante palestra para auditório lotado. Carismático, arrancava gargalhadas da plateia com sua verve desabrida. Respondeu a inúmeras perguntas dos que assistiam à sua fala, inclusive sobre o que ou quem o inspirou a escrever o livro em torno da luxúria, na série dos sete pecados capitais. Ao responder, foi curto e grosso: motivou-o, nada mais nada menos, um polpudo cheque que chegou da editora, pagando-o antecipadamente pela elaboração da obra.

A sinceridade do imortal da Academia Brasileira de Letras provocou risos na plateia, mas também a desaprovação de alguns presentes, por entenderem que um escritor jamais deve escrever por dinheiro, pois a gratificação deve vir em consequência da qualidade do produto final, nunca como causa. Evidente ser este um tema polêmico, não passível de análise percuciente nesse minifúndio de papel reservado a crônicas hebdomadárias.

Mas o João Ubaldo estranhou o fato de a editora o escolher para falar da luxúria e não da preguiça – uma endêmica companheira dos baianos, contumazes balangadores de rede. Revelou, todavia, que se tivessem o convidado para escrever sobre a preguiça, teria recusado o convite, em favor de outro baiano mais preguiçoso que ele: o Dorival Caymi, então vivo.

O escritor baiano falou também do seu preparo mental para evitar a citação de certas palavras e expressões que abomina, ao escrever sobre a luxúria. E deu exemplo do que seria proscrito: expressões como “órgão intumescido”, “vagina umedecida” e a palavra “vulva”.

Divirjo do escritor baiano, por uma importante razão. Vulva é uma das palavras mais sonoras da língua portuguesa. Mas ela não está sozinha na minha preferência: há também o vocábulo “pleura”, citado por mim em algumas crônicas. A sonoridade vibrante evoca algo diáfano, transparente, como essa membrana que recobre os pulmões. Aliás, segundo os neurolinguistas, todos nós temos uma habilidade cerebral capaz de associar significados a sons e imagens, que passam a representar aquele significado e comunicá-lo de um cérebro para outro. Mesmo se os interlocutores falarem línguas diferentes.

Da maneira como pronuncio a palavra vulva – de forma bilabial (sem qualquer trocadilho) e retendo o ar que vem dos pulmões, inflando as bochechas – não fica qualquer dúvida sobre o seu significado. Até esperava uma boa oportunidade para contar uma história acontecida comigo, sobre essa empírica constatação.

Quando terminava meu mestrado em administração, na UFMG, participei de um curso de verão, na Universidade de Schmalkalden, na Alemanha, sobre a economia da União Europeia. No encerramento, os professores ofereceram ao nosso grupo um jantar em um belo castelo, numa cidade próxima. Fomos levados em vários carros de passeio para o alto da montanha, onde se localizava a antiga edificação. No percurso, falei em português, para os companheiros de viagem, que se me perguntassem no jantar qual o prato típico do brasileiro eu responderia “vulva”. Riram, mas duvidaram que eu fizesse tamanha brincadeira.

No salão de jantar do castelo, uma enorme mesa acolheu professores e alunos de vários países. Ao meu lado, um professor alemão conversava conosco, em inglês. Num dado momento, durante o lauto ágape, ele virou-se para mim indagando justamente o que houvera previsto na viagem. Para rubor de uma colega de mestrado à minha frente, falei em alto e bom som – e com bochechas infladas, qual Louis Armstrong tocando trompete -, que o prato típico dos brasileiros era a vulva.

Embora tenha caprichado na encenação, a teoria na prática foi outra. Ele quis saber do que se tratava. E eu o expliquei, conseguindo dele uma estrepitosa gargalhada.

Já havíamos tomado muito vinho alemão. Tudo era festa...

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 21/12/2010
Código do texto: T2684472
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