Desviando o olhar para a vida comum
Paulo Francis disse, certa vez, que estava em um bonde lendo um livro de filosofia. Notou tantos absurdos, incoerências, paradoxos, raciocínios que desembocavam em um beco sem saída, que, simplesmente, atirou o livro no meio da rua e ainda falou mal, de quebra, com aquele seu jeito irreverente, do grande Santo Agostinho.
Esse acontecimento se deu no Rio de Janeiro.
Mario Quintana, sem saber disso, lá em Porto Alegre, rapidinho, também abandonou a filosofia. Disse ele: “ora, se o grande Platão e outros craques da filosofia não chegaram a um acordo e não descobriram nada no mundo, não seria ele, Mario, que iria descobrir”.
Prevaleceu, segundo ele, o seu bom senso!
Nessas alturas, o que diríamos nós, simples mortais, sem a inteligência dos citados maiorais, um, brilhante jornalista, e o outro, o nosso poeta maior?
De minha parte, saber dessas coisas foi muito bom. Libertou-me, pois achava que tinha obrigação de desvendar o mundo.
Mas que falta de bom senso?!
Agora, me deleito com minha santa ignorância.
E meu espírito investigativo , paradoxalmente, até aumentou. Percebendo um desvio de água na casa, grito para minha secretária:
- Cida, a água da privada está escapando, que é que eu faço?
- O senhor puxa a descarga de novo, que tudo normaliza.
Dito e feito: normalizou!
- Cida, amanhã, por favor, chega mais cedo em casa e me mostra onde estão crescendo as tiriricas no meu jardim. É preciso acabar com elas.
- Tá bem, é fácil de resolver isso. Mas é preciso uma certa filosofia.
- O quê? Filosofia???
- Desculpe, patrão, falei um palavrão?
- Falou!!!
- Eu quis dizer uma certa prática.
- Ainda bem, Cida, que susto que você me deu! Vamos parar com essas abstrações, pois isso nunca deu certo na vida!
- Abstração?!?!?!
- Tá vendo só, Cida, agora fui eu que soltei um palavrão pra você. Esquece, vamos tratar de ver as tiriricas que estão acabando com o jardim. Nada como a praticidade...