Em época de natal...
Supermercado lotado, a fila do bacalhau dobrava o corredor, carrinhos repletos se esbarrando e gente disputando a tapas o maior peru. São as compras, em época de natal. Eu, que sou totalmente impaciente para ir ao supermercado em dias normais, estava à beira da loucura no meio dessa confusão toda. Pensei: vou ser objetiva, nada de verificar prazos de validade, escolher os legumes mais vistosos, experimentar novos vinhos, ou fazer qualquer outra degustação que me ofereçam, e, definitivamente, nada de bacalhau. Pegaria tudo que estivesse na lista sem mais delongas e sairia o mais rápido possível daquele ambiente nada natalino.
Teria feito exatamente isso, caso estivesse sozinha. E para complicar as coisas, além de não estar sozinha, estava com minha irmã. Mera ilusão a minha, achar que poderia usar de praticidade com alguém ao meu lado que faz supermercado de salto alto e lê as receitas nas embalagens dos produtos expostos nas prateleiras.
Minha irmã é uma versão atual de tia Raimunda. Esta era dada a longas conversas e deliciosas gargalhadas. Quando eu era criança, sempre ia à feira com ela. Sempre bem arrumada, minha tia passava horas contando e ouvindo histórias, conhecia todos os feirantes e como se não bastasse, ia distribuindo bom-dia a todos pelo caminho, o problema para quem estava com ela, era que o bom-dia era só o início da conversa. O tempo passou e minha tia deve estar encantando outras feiras em outra dimensão, mas deixou sua sucessora: minha irmã.
E sobre minha irmã as histórias são muitas, principalmente, depois que se descobriu ótima cozinheira. Mas cozinhar para ela começa no supermercado. Ainda bem que fiz estágio com minha tia. Comprar carne vermelha exige um verdadeiro ritual, primeiro, ela passa por todas as prateleiras, inspeciona todas as bandejas e conclui que nenhuma carne está boa o bastante para seu prato, então vai até o balcão: “pode cortar um padeço de carne para fazer um assado, por favor? Olha, mas tem que ser uma carne que amoleça rápido e que fique suculenta, ah! Por favor, limpe bem antes de cortar, porque não gosto de gorduras, você acha que essa aqui é boa para assar? Eu acho que essa carne ficaria ótima com... Sabe outro dia preparei... porque se não tiver bem limpa...” E a fila aumentando, os olhares se modificando, as bocas sendo torcidas e eu tentando convencê-la a aderir aos hábitos vegetarianos.
A escolha das ervas que acompanham a carne também é minuciosa, imagina se todo manjericão é igual? Claro que não, manjericão não é manjericão e marca é marca. E por falar em manjericão, vocês sabiam que ele não deve ser despejado direto da embalagem para a panela? Sabiam que temos que pegar as folhinhas com as pontas dos dedos e só depois espalhar sobre o prato? Pois é, os rituais se estendem à cozinha também.
Eu que não conheço os feirantes, não entendo de carnes e nem de manjericão, por ora, me limito às observações e vou tirando lições de que ir ao supermercado ou à feira não precisa ser desgastante. Em certas ocasiões, pode até ser bastante prazeroso, mas, como geralmente estamos apressados demais, atingir esse estágio de prazer ao se perder em longas conversas com as pessoas que nos atendem nesses locais é um poder que pertence a poucos, ou melhor, emprestando a expressão de Alice é um super-poder. Sabem o que mais, vou aproveitar essa época em que todos nos sentimos mais próximos uns dos outros, e vou tentar me apropriar dele. Quem sabe eu consigo!