Série Grandes Tipos

****************************

Esta série é especial. O mundo não teria sentido sem os seus tipos. Sem essas criaturas universais. Prometo inibir qualquer tipo de juízo sobre suas vidas.

*****************************

Todos os meus casamentos foram destruídos por minha insaciável curiosidade. Tão logo acordo pulo para a mesa tosca, sobre ela, debruço minha alma entre as verdadeiras relíquias produzidas pela natureza noturna. Sonhar é um ambiente elaborado sobre o contexto exótico, caminho que vai além do assombro.

A folha branca magnetiza a região diurna. Permaneço longas horas em perfeito silêncio, escrevendo. Nenhuma interrupção é tolerada. Jamais admito que arrastem cadeiras ou estalem louças. O simples tintilar dos cristais pode derrubar para sempre uma película de mistério para longe de inédita atenção. Para tanto construi uma sala ampla e especial ao lado do quarto. A porta fica fechada. Consigo desta forma reunir os fragmentos mais puros produzidos. São fenômenos perfeitos. Tenho comigo que nenhum homem deve permitir a condição humilhante de mistério a nada que lhe ocupe por longo tempo a curiosidade.

Quatro casamentos interrompidos e eles merecem especial narrativa. Para ser exato nenhuma delas concordou em permitir um espelho novo as suas vidas. As mulheres que habitam meus sonhos são absolutamente desconhecidas e um misto de todas. É esse desconhecido que me interessa nelas, emanação abstrata em fonte de alegre novidade. Havia em cada uma a idéia de que deviam me levar até a obcessão, mas apenas a vida noturna bem dormida me fornecia os elementos do "fenômeno esplêndido" irreal. Reflito que nenhuma delas encontrou tempo para ser desprezada enquanto esplêndidas. Partiram antes de se sentirem tomadas pelo meu modo fechado de estudar algo em si mesmo superior a elas.

Estas imagens espontâneas promovem o desejo de retorno ao ponto onde se deu o rudimento da trama onírica, todavia é improvável que funcione mecanicamente. Não seria sonho, talvez para delírio fosse apenas questão de densidade. Pois as ilusões não obedecem linhas, embora carregadas de estrutura.

Que importância tem recordar o sonho da noite passada? Que valor tem se em saber qual a rapidez, e em que tempo desconhecido surgem tais imagens? Quando nossa maior parte do Ser parece subjugado a intensa hipnose que agrada, ilude, envolve, ou somente nos convence do descanso; arrematando para outra parte do dia o pouco de expressão celestial. Acabamos obsedados pela claridade do dia longe e próximo dessa fonte de onde nos perdemos.

Das vezes que voei, mais flutuei do que tudo. Na flutuação o que se extingue é o temor. Flutuar exime o medo. Passava então a agir com os movimentos livres da gravidade, harmoniosamente, repleto de forças que não se esgotam; sequer necessitam se recompor. Ponto onde principia o salto em arco direcionado pela consciência ao mais belo dos passeios. Nenhum receio quanto ao recontro com o solo. (Tal flutuação não pode permitir confusão com levitação).

...Por onde chegam, logo em mim e não eu, vão se abrindo as portas. Da abertura cautelosamente filtrada nascem visitas inusitadas. Meus espectros não são dados a mania das revelações, adivinhações, exceto essa de se permirirem viver por milésimos de segundos em minha livre consciência. Consciência normal alterada pelo humilde descanso da noite.

******************************

Dorme amor. Um breve sonho é a eternidade que enternece.

******************************

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 20/12/2010
Reeditado em 20/12/2010
Código do texto: T2683066
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.