Acordar é viver
Eu vejo agora as coisas de um modo diferente... Aos 67 anos a gente não tem mais a mesma cabeça. Eu era feito de sonhos: teria meu apartamento, arrumaria um bom emprego, pagaria o estudo dos meus filhos, viajaria o mundo com a mulher da minha vida... Mas nem tudo são flores.
A primeira decepção foi a falta de dinheiro pra pagar a faculdade. Tive de largar. Isso me custou mais que um diploma, pois fui mandado embora. Perdi um bom emprego e lá se foi o meu apartamento. Mas ainda me resta a mulher da minha... opa! “Amor não enche a barriga de ninguém”, foi o que me disse minha ex-mulher antes de bater a porta do meu ex-apartamento na minha cara.
Mas nem tudo são magoas. Claro, fiquei desesperado. O mundo de repente caía nas minhas costas. Fui do céu dos meus sonhos ao inferno da realidade. Até que aprendi uma coisa. Na verdade, minha irmã mais velha me contou.
“Havia dois presos numa mesma cela”, ela falou. “Um vivia triste por se sentir muito solitário. Sentia muita saudade dos amigos, da família, dos filhos... Queria poder ver o sol nascer na praia, como fazia antes do crime. Achava a vida injusta, apesar do que tinha feito, e pensava que nada dava certo para ele. Vivia sempre muito triste. Seu companheiro de cela, apesar de estar na mesma situação, carregava consigo algo mais do que toda aquela dor e solidão. Tinha um sorriso um pouco tímido no canto do lábio. Sabe por quê?”.
Fiquei sem resposta. Ao imaginar a cena eu pensei que ele era provavelmente idiota, um bobo alegre... numa situação dessas, como poderia rir? “Não sei”, respondi. E ela me contou: “Um preso observava apenas a lama. O outro as estrelas”.
Meu primeiro projeto de vida talvez não tenha dado certo, mas aprendi algo muito mais valioso que os sonhos. E hoje eu tenho minha família. Nem tudo foi como eu queria, mas tudo foi do melhor jeito possível.