( Eu vestida com meu veludo negro. Faz tanto tempo!...)
VELUDO NEGRO
Abro o guarda-roupa e meu olhar se encontra com ele. Arranco-o de seu jazigo de muitos anos onde o sepultei num acesso de desdém. Agora, debruçado em minhas mãos, observo-lhe o veludo negro, o tecido já exausto de tanto uso em noites de inverno onde o meu corpo se escondia. Foste vítima do tempo que incham as formas e da moda que a cada ano amontoa-se em fundos de baús. O teu brilho negro é a única beleza que guardas. Contigo outros, não tão belos como tu, giraram a roleta da moda e acabaram com o mesmo destino. Anônimos na escuridão dos desejos de uma mulher. Meu olhar vazio te relembra e das vezes que me fizeram fada. Observo sua maciez através dos toques de meus dedos que tanto te acariciaram em frente ao espelho. Eras símbolo de todos os vestidos que me vestiram numa juventude que já não faz parte de mim.
Agora em um canto, sepultado para a vida que agitaste, me trás certa dor o teu abandono. Não importa sua cor, ainda que o seu negro fora o que mais me fizera te querer. Enquanto a moda grita o que vestir, tu deixas de ter a alma que eu lhe soprei enquanto me vestias em dias de festa. É de se esperar que me odeie, se conheces esse sentimento mudo de vingança. O meu toque percorre a sua maciez e tu queres escorregar de mim, como se lhe ferisse, as mãos que te abandonaram. Talvez tenha se dado conta que sua passagem tenha sido apenas um eclipse e se envergonhas de que já não possas me servir.
Abandonei-te. Por um tempo ainda quis moldar-te a mim, mas ficaram as marcas no teu tecido. Fora feito único. Mas meu corpo não podia mais entrar em ti. Um confronto doído que uns milímetros a mais se dispuseram a separar. Que acordo haveria? O destino foi imponderável com minhas formas e já não pude mais ser parte de tua leve maciez. Um confronto de tempo que não pude negar aos anos que me visitaram. As mudanças são inevitáveis.
Agora tu, calado, morres na escuridão que te joguei... Um traste que as luzes da moda renegaram e eu vítima do tempo não pude segurar. Olho-me no espelho com tu entre meus dedos e de encontro ao meu peito. Vejo-te na incompreensão de meus olhos cansados e marcados de saudades. És como um anjo decaído e expulso do paraíso. Fechei-te na escuridão. Aprendeste a resignar em silêncio e aceitar que te abandonei. Eras tu que fazias brilhar os olhos de meu amado quando me aprontava em dias de festas. Acariciava-me através de ti, sabendo que tu foste responsável por me tornares bela. A tua maciez sentiu-lhe o toque das mãos e lhe pertenceu tanto quanto eu pertenci. Ele o escolheu para cobrir-me e ofuscar-lhe os olhos e tu foste mais que generoso com este corpo que não conhece a beleza perfeita.
Mas tu foste perfeito. Entretanto, o tempo chega e nada é suficiente para barrá-lo. Vão-se os costumes. Ficaram marcas coladas no espaço que cobriste. Em desespero tentei moldá-lo a uma forma que transformou. Uma lágrima foi a única certeza de que já não dava mais. Não havia mais partilha em formas que não se adaptavam. Resignado, se vê jogado sem clemência na escuridão como fora o único culpado. Mas a quem mais interessa? Quem quer saber de teu desespero quando o meu me faz chorar diante do espelho olhando a transformação que te fez bode expiatório? Perdido estava, ainda que a sua beleza estivesse presente.
Agora, com tu desfalecido em minhas mãos, sinto uma falta de coragem de jogar-te novamente na escuridão. O último sopro de tua vida foge de minha desumana afeição e voltas a adormecer para não sentir minhas mãos de carrasco. Esquece-te, porém, que sou tão vítima como tu. O tempo e a moda arrancaram-me de ti sem ao menos se justificar. Arrancaram-te de mim a sangue frio como se arrancasse um pedaço de carne de meu corpo. Não quero mais te olhar e nem peço que me retribuas. A dor de ver-te sem vida me faz sofrer saudosa da alegria que me deste.
Em noites de festas ou luzes de bar, foste a estrela que reluzia em mim e me fazias brilhar. Hoje já não preciso de ti ainda que minha memória esteja fundida em tua beleza e no prazer que me deste. Entretanto, mesmo esquecido, triunfas na esplêndida beleza e maciez de teu veludo negro. Este, nem mesmo eu lhe posso roubar porque te pertence tão unicamente mesmo que deixes de existir e vivas somente na lembrança que lhe devoto.
VELUDO NEGRO
Abro o guarda-roupa e meu olhar se encontra com ele. Arranco-o de seu jazigo de muitos anos onde o sepultei num acesso de desdém. Agora, debruçado em minhas mãos, observo-lhe o veludo negro, o tecido já exausto de tanto uso em noites de inverno onde o meu corpo se escondia. Foste vítima do tempo que incham as formas e da moda que a cada ano amontoa-se em fundos de baús. O teu brilho negro é a única beleza que guardas. Contigo outros, não tão belos como tu, giraram a roleta da moda e acabaram com o mesmo destino. Anônimos na escuridão dos desejos de uma mulher. Meu olhar vazio te relembra e das vezes que me fizeram fada. Observo sua maciez através dos toques de meus dedos que tanto te acariciaram em frente ao espelho. Eras símbolo de todos os vestidos que me vestiram numa juventude que já não faz parte de mim.
Agora em um canto, sepultado para a vida que agitaste, me trás certa dor o teu abandono. Não importa sua cor, ainda que o seu negro fora o que mais me fizera te querer. Enquanto a moda grita o que vestir, tu deixas de ter a alma que eu lhe soprei enquanto me vestias em dias de festa. É de se esperar que me odeie, se conheces esse sentimento mudo de vingança. O meu toque percorre a sua maciez e tu queres escorregar de mim, como se lhe ferisse, as mãos que te abandonaram. Talvez tenha se dado conta que sua passagem tenha sido apenas um eclipse e se envergonhas de que já não possas me servir.
Abandonei-te. Por um tempo ainda quis moldar-te a mim, mas ficaram as marcas no teu tecido. Fora feito único. Mas meu corpo não podia mais entrar em ti. Um confronto doído que uns milímetros a mais se dispuseram a separar. Que acordo haveria? O destino foi imponderável com minhas formas e já não pude mais ser parte de tua leve maciez. Um confronto de tempo que não pude negar aos anos que me visitaram. As mudanças são inevitáveis.
Agora tu, calado, morres na escuridão que te joguei... Um traste que as luzes da moda renegaram e eu vítima do tempo não pude segurar. Olho-me no espelho com tu entre meus dedos e de encontro ao meu peito. Vejo-te na incompreensão de meus olhos cansados e marcados de saudades. És como um anjo decaído e expulso do paraíso. Fechei-te na escuridão. Aprendeste a resignar em silêncio e aceitar que te abandonei. Eras tu que fazias brilhar os olhos de meu amado quando me aprontava em dias de festas. Acariciava-me através de ti, sabendo que tu foste responsável por me tornares bela. A tua maciez sentiu-lhe o toque das mãos e lhe pertenceu tanto quanto eu pertenci. Ele o escolheu para cobrir-me e ofuscar-lhe os olhos e tu foste mais que generoso com este corpo que não conhece a beleza perfeita.
Mas tu foste perfeito. Entretanto, o tempo chega e nada é suficiente para barrá-lo. Vão-se os costumes. Ficaram marcas coladas no espaço que cobriste. Em desespero tentei moldá-lo a uma forma que transformou. Uma lágrima foi a única certeza de que já não dava mais. Não havia mais partilha em formas que não se adaptavam. Resignado, se vê jogado sem clemência na escuridão como fora o único culpado. Mas a quem mais interessa? Quem quer saber de teu desespero quando o meu me faz chorar diante do espelho olhando a transformação que te fez bode expiatório? Perdido estava, ainda que a sua beleza estivesse presente.
Agora, com tu desfalecido em minhas mãos, sinto uma falta de coragem de jogar-te novamente na escuridão. O último sopro de tua vida foge de minha desumana afeição e voltas a adormecer para não sentir minhas mãos de carrasco. Esquece-te, porém, que sou tão vítima como tu. O tempo e a moda arrancaram-me de ti sem ao menos se justificar. Arrancaram-te de mim a sangue frio como se arrancasse um pedaço de carne de meu corpo. Não quero mais te olhar e nem peço que me retribuas. A dor de ver-te sem vida me faz sofrer saudosa da alegria que me deste.
Em noites de festas ou luzes de bar, foste a estrela que reluzia em mim e me fazias brilhar. Hoje já não preciso de ti ainda que minha memória esteja fundida em tua beleza e no prazer que me deste. Entretanto, mesmo esquecido, triunfas na esplêndida beleza e maciez de teu veludo negro. Este, nem mesmo eu lhe posso roubar porque te pertence tão unicamente mesmo que deixes de existir e vivas somente na lembrança que lhe devoto.