ATENÇÃO, SENHORES PASSAGEIROS!
Eu tenho uma amiga de trabalho que vai, agora, no início do ano que vem, viajar para outro Estado, este, da Região Norte. Até aí tudo bem. O problema é que ela vai de avião (inclusive, já comprou as passagens – de ida e de volta) e, como uma boa parcela da população, morre de medo de voar.
Apesar dos encorajamentos, de dizermos que é o meio de transporte mais seguro – segundo as estatísticas –, ela, na verdade, só se lembra, quando rebate esses indicadores, do lado negativo das estatísticas.
Assim, num desses dias em que a manhã se arrastava lentamente e o expediente se tornava mais longo, faltando uns dez minutos para o término dele, nós improvisamos uma rádio independente, especializada em comentários aéreos que, além de promover uma certa companhia – made in paraguai (fictícia) – que alugava voos para o lado norte do nosso país, fazia, também, promoções que não acabavam mais.
“Olá, boa tarde! Você que está me ouvindo, preste muita atenção ao recado da Linhas Aéreas Marítimas – aquela companhia que lhe leva pelos ares, mas que não descarta, de vez em quando, um delicioso mergulho nas águas dos rios das regiões por onde suas aeronaves passam, com a probabilidade de, dependendo de onde elas caiam, você possa ter a incrível possibilidade de assistir à pororoca e, até, de ver (mesmo que por fração de segundos) o encontro das águas de cores diferentes dos rios Amazonas e Negro. Não se preocupe com isso. Os nossos aviões são equipados com duas balsas infláveis e uma jangada de doze paus que, em ocorrendo a necessidade desse passeio (previsto nas cláusulas contratuais da prestação do serviço), serão lançadas, automaticamente, trinta segundos antes que o aerobarco - desculpe-me, meu querido ouvinte e futuro passageiro da LAM -, aeronave, entre em contato com as águas barrentas desses rios”.
Neste momento, eu dei uma parada e olhei para o lado onde estava a gloriosa heroína dos ares mossoroense, e vi, pela sua fisionomia, que algo estava ocorrendo com a sua transpiração. Creditei isso a um ligeiro mal-estar ocasionado pela necessidade de se alimentar, já que era, praticamente, horário de almoço. Por isso, eu continuei com a propaganda da Linhas Aéreas Marítimas:
“Os nossos aviões são moderníssimos – os dois que ainda conseguem levantar voo –, apesar de não possuírem radar, GPS ou qualquer outro equipamento eletrônico computadorizado – algo supérfluo em se tratando de nossos experientes comandantes que se orientam, de dia, pelos rios e, de noite, pelas estrelas – eles conseguem, com os 30 anos de uso, de vez em quando, completarem uma viagem. Porém, quando isso não é possível, devido ao mal tempo e às noites em que a lua não reflete a luz do sol, os nossos valorosos comandantes encontram sempre um jeitinho de conseguirem prosseguir um pouco mais com o voo, mesmo tendo, na maioria das vezes, que abandonar o barco, digo, o avião, e pular de paraquedas, que é, por sinal, exclusivo desses senhores – mesmo porque cada comandante, já que não temos co-piloto, providencia, com o seu primeiro salário (e talvez o último), a compra desse equipamento. Inclusive, os nossos aviões são os únicos que, quando pegam o mínimo de turbulências, suas asas batem palmas, de tanta flexibilidade. Por sinal, caro ouvinte, a lataria dos nossos aviões suporta até nuvens carregadas de água, desde que elas não estejam acima da altura máxima de nosso aerobarco – desculpe-me, de novo, aeronave, que é de, no máximo, dois mil metros, voando a uma velocidade recorde de 150 km/horários, com capacidade máxima de 80 passageiros sentados e 150 entre as cadeiras e o corredor”.
Novamente, eu dei uma parada. Olhei para o lado onde deveria estar a nossa representante dos céus, mas ela já tinha procurado o bebedouro e estava tomando um pouco d’água. Notei uma leve palidez em sua cor natural e pensei ter visto intermitentes tremores em seu corpo. Bobagem! – disse para mim mesmo. Devo estar tendo ilusão de ótica, proporcionada pela falta de alimento no estômago, devido à hora. Voltei, então, à propaganda da rádio:
“Em preferindo viajar em nossa companhia, faremos, em caso de um provável imprevisto na ida, um desconto de 95 por cento na passagem de volta, caso o caro ouvinte tenha conseguido sobreviver, digo, caso tenha condições físicas de voltar em até seis meses da data da compra do bilhete. Esse lembrete é válido apenas por motivos de não querermos infringir o código da ANAC, com relação ao overbook”.
Desta vez, ao olhar para os lados, vi a nossa Anésia Pinheiro Machado – primeira mulher a trabalhar como aviadora no Brasil, no ano de 1922 – sentando-se ao lado da mesinha do telefone e, como que hipnotizada, olhava-o fixamente. Mais uma vez, eu não vi nada de errado nela, a não ser umas gotas de suor que desciam feito cascatas por seu rosto. Olhei para o ar-condicionado e percebi que ele não estava gelando o suficiente – apenas 16 graus positivos. Devia ser isso: o calor da sala fazia com que ela transpirasse, apesar de que não vi nas demais pessoas, ao meu lado, o mesmo sintoma. Nem em mim. Besteira, disse eu. É claro que esse suor é proveniente da falta de uma boa ventilação do ambiente! – exclamei. Decidi finalizar o marketing da Linhas Aéreas Marítimas:
“Aproveite, caro ouvinte, a nossa oferta de final de ano e viaje com a certeza de que os céus esperam por você e que o paraíso se fará mais próximo se você optar por nos dar o prazer de viajar em nossa companhia, digo, na companhia aérea que estou anunciando, pois eu, caro ouvinte, tenho fobia das alturas e, mesmo porque, a minha loucura não chega a ser tão insana assim. Linhas Aéreas Marítimas, vulgo LAM, a melhor opção de uma eterna viagem”.
Neste momento, a campainha apitou o término das aulas. Levantei-me, pus a minha mochila no ombro direito, e me despedi da turma. Quando ia saindo, ouvi alguém ao telefone dizer:
“Alô, bom dia. É da companhia fulano de tal? Por favor, eu quero cancelar umas passagens que comprei aí. Meu nome é...
Saí e bati a porta. Nem dei atenção ao que ouvi! Com certeza eram os meus ouvidos desorientados, captando sons inexistentes, tudo devido à baita da fome que eu estava sentindo naquele momento...
Obs. Imagem da internet
Eu tenho uma amiga de trabalho que vai, agora, no início do ano que vem, viajar para outro Estado, este, da Região Norte. Até aí tudo bem. O problema é que ela vai de avião (inclusive, já comprou as passagens – de ida e de volta) e, como uma boa parcela da população, morre de medo de voar.
Apesar dos encorajamentos, de dizermos que é o meio de transporte mais seguro – segundo as estatísticas –, ela, na verdade, só se lembra, quando rebate esses indicadores, do lado negativo das estatísticas.
Assim, num desses dias em que a manhã se arrastava lentamente e o expediente se tornava mais longo, faltando uns dez minutos para o término dele, nós improvisamos uma rádio independente, especializada em comentários aéreos que, além de promover uma certa companhia – made in paraguai (fictícia) – que alugava voos para o lado norte do nosso país, fazia, também, promoções que não acabavam mais.
“Olá, boa tarde! Você que está me ouvindo, preste muita atenção ao recado da Linhas Aéreas Marítimas – aquela companhia que lhe leva pelos ares, mas que não descarta, de vez em quando, um delicioso mergulho nas águas dos rios das regiões por onde suas aeronaves passam, com a probabilidade de, dependendo de onde elas caiam, você possa ter a incrível possibilidade de assistir à pororoca e, até, de ver (mesmo que por fração de segundos) o encontro das águas de cores diferentes dos rios Amazonas e Negro. Não se preocupe com isso. Os nossos aviões são equipados com duas balsas infláveis e uma jangada de doze paus que, em ocorrendo a necessidade desse passeio (previsto nas cláusulas contratuais da prestação do serviço), serão lançadas, automaticamente, trinta segundos antes que o aerobarco - desculpe-me, meu querido ouvinte e futuro passageiro da LAM -, aeronave, entre em contato com as águas barrentas desses rios”.
Neste momento, eu dei uma parada e olhei para o lado onde estava a gloriosa heroína dos ares mossoroense, e vi, pela sua fisionomia, que algo estava ocorrendo com a sua transpiração. Creditei isso a um ligeiro mal-estar ocasionado pela necessidade de se alimentar, já que era, praticamente, horário de almoço. Por isso, eu continuei com a propaganda da Linhas Aéreas Marítimas:
“Os nossos aviões são moderníssimos – os dois que ainda conseguem levantar voo –, apesar de não possuírem radar, GPS ou qualquer outro equipamento eletrônico computadorizado – algo supérfluo em se tratando de nossos experientes comandantes que se orientam, de dia, pelos rios e, de noite, pelas estrelas – eles conseguem, com os 30 anos de uso, de vez em quando, completarem uma viagem. Porém, quando isso não é possível, devido ao mal tempo e às noites em que a lua não reflete a luz do sol, os nossos valorosos comandantes encontram sempre um jeitinho de conseguirem prosseguir um pouco mais com o voo, mesmo tendo, na maioria das vezes, que abandonar o barco, digo, o avião, e pular de paraquedas, que é, por sinal, exclusivo desses senhores – mesmo porque cada comandante, já que não temos co-piloto, providencia, com o seu primeiro salário (e talvez o último), a compra desse equipamento. Inclusive, os nossos aviões são os únicos que, quando pegam o mínimo de turbulências, suas asas batem palmas, de tanta flexibilidade. Por sinal, caro ouvinte, a lataria dos nossos aviões suporta até nuvens carregadas de água, desde que elas não estejam acima da altura máxima de nosso aerobarco – desculpe-me, de novo, aeronave, que é de, no máximo, dois mil metros, voando a uma velocidade recorde de 150 km/horários, com capacidade máxima de 80 passageiros sentados e 150 entre as cadeiras e o corredor”.
Novamente, eu dei uma parada. Olhei para o lado onde deveria estar a nossa representante dos céus, mas ela já tinha procurado o bebedouro e estava tomando um pouco d’água. Notei uma leve palidez em sua cor natural e pensei ter visto intermitentes tremores em seu corpo. Bobagem! – disse para mim mesmo. Devo estar tendo ilusão de ótica, proporcionada pela falta de alimento no estômago, devido à hora. Voltei, então, à propaganda da rádio:
“Em preferindo viajar em nossa companhia, faremos, em caso de um provável imprevisto na ida, um desconto de 95 por cento na passagem de volta, caso o caro ouvinte tenha conseguido sobreviver, digo, caso tenha condições físicas de voltar em até seis meses da data da compra do bilhete. Esse lembrete é válido apenas por motivos de não querermos infringir o código da ANAC, com relação ao overbook”.
Desta vez, ao olhar para os lados, vi a nossa Anésia Pinheiro Machado – primeira mulher a trabalhar como aviadora no Brasil, no ano de 1922 – sentando-se ao lado da mesinha do telefone e, como que hipnotizada, olhava-o fixamente. Mais uma vez, eu não vi nada de errado nela, a não ser umas gotas de suor que desciam feito cascatas por seu rosto. Olhei para o ar-condicionado e percebi que ele não estava gelando o suficiente – apenas 16 graus positivos. Devia ser isso: o calor da sala fazia com que ela transpirasse, apesar de que não vi nas demais pessoas, ao meu lado, o mesmo sintoma. Nem em mim. Besteira, disse eu. É claro que esse suor é proveniente da falta de uma boa ventilação do ambiente! – exclamei. Decidi finalizar o marketing da Linhas Aéreas Marítimas:
“Aproveite, caro ouvinte, a nossa oferta de final de ano e viaje com a certeza de que os céus esperam por você e que o paraíso se fará mais próximo se você optar por nos dar o prazer de viajar em nossa companhia, digo, na companhia aérea que estou anunciando, pois eu, caro ouvinte, tenho fobia das alturas e, mesmo porque, a minha loucura não chega a ser tão insana assim. Linhas Aéreas Marítimas, vulgo LAM, a melhor opção de uma eterna viagem”.
Neste momento, a campainha apitou o término das aulas. Levantei-me, pus a minha mochila no ombro direito, e me despedi da turma. Quando ia saindo, ouvi alguém ao telefone dizer:
“Alô, bom dia. É da companhia fulano de tal? Por favor, eu quero cancelar umas passagens que comprei aí. Meu nome é...
Saí e bati a porta. Nem dei atenção ao que ouvi! Com certeza eram os meus ouvidos desorientados, captando sons inexistentes, tudo devido à baita da fome que eu estava sentindo naquele momento...
Obs. Imagem da internet