27. O Myagi em Gisórs
Estou à espera de ser servido no restaurante japonês Myogy, em Gisors. Gisórs é uma cidade francesa de coração normando bastante sacrificada na guerra de 39/40.
Não me lembro bem por que razão ter-me-á vindo ali à cabeça a cama sem passado da noite anterior na rua Alexandre Laurent, número 1, em Neaufles – St Martin.
Não é bem assim sem passado, as brasas chegam sorrateiras quando se chega aquele ponto do sono em que o sono já passou a sono meio acordado.
Até lá, uma cama sem passado fez-me sonhar, recordo, com o futuro que ainda tenho de fazer e com o que tenho a fazer para lá ir chegando.
Anunciara-se para as duas da madrugada uma ‘orage’ (tempestade em francês) com ‘coup de tonneres’ (trovões) e ‘eclairs’ (relâmpagos). Subi ao quarto de cama depois da Espanha ter levantado a taça do Mundo de Futebol, antes de adormecer, queria ainda acabar uma crónica e enviar correio aos meus filhos, mas deixei-me levar pela vontade de dormir e dormi.
Afastei os cobertores para os pés da cama, despi-me, meti sobre a pele o lençol e encostei a cabeça à cabeceira.
Vou pedir: Teriyaki servido com sopa, salada, arroz – estou a traduzir do francês -, mas salto alguns pontos, regado com molho teriyaki, este belo filete (ou será bife?) de salmão (mais texto que salto), os olhos também comem, duma cor irresistível. E para beber? Asahi. Uma garrafa de cinquenta decilitros de cerveja japonesa. Nunca provei.
A minha prima Olga, a neta mais velha da avó Deodata, a que me pregou o vício de contar estórias, convidou-me. Ela e o neto Alexandre, filho do filho William e de Lucy, uma bielorussa, estão sentados à minha frente.
Não tenciono usar os pauzinhos. Vou usar os talheres. Sopa? Sim: ‘soup de miso.’ Vem com cogumelos. É boa. Gosto. Tento comer a salada com os pauzinhos. Consigo a custo. De uma maneira aldrabada. A salada traz repolho branco, pepino, muito repolho, tomate e um molho avinagrado. Gosto.
Passa de um modo discreto, bravo, música com sabor ocidental mas, suponho, não conheço japonês, cantada em japonês.
Passa-me pela cabeça ir em breve ao Japão. Por que não? Vivo e apago brasas.
Quero apagá-las uma a uma, leve o tempo que levar, custe o que custar, até poder passar pelo sítio onde a fogueira ardeu e só ver erva viçosa. Aí saberei que o futuro chegou.
Mário Moura
Normandia
França
Gisors, 12 de Julho de 2010
(passado a limpo para o meu portátil num café do centro histórico de Evreux)