26. A intimidade do 95
Kenton e Liz foram dois bons companheiros de viagem entre Florença e Paris. Suvintha e Joc foram-no entre Bolonha e Paris.
Kenton e Liz são um casal de ingleses de Leeds, Suvintha e Joc são mãe e filho do Sri Lanka. Colombo? Não cheguei a perguntar. Joc terá pouco mais de um ano de idade e portou-se bem durante a noite.
Com Liz e Kenton, durante mais de uma hora, passamos um tempo mágico de leitura silenciosa como há muito não conhecia. Nem lhes perguntei o que liam, nem eles me perguntaram, cada um de nós os três, mergulhou na sua leitura. Esqueci-me de tudo. Parecia que fora devolvido ao meu ponto mágico no areal do Monte Verde.
Devo dizer que só soubemos o nome de cada um, porque eu perguntei, na altura em que pedi para tirar uma fotografia de recordação.
Esta foi a minha família durante as horas que o comboio levou a chegar a Paris. Ainda no comboio, tirei à chegada uma fotografia deles que posso mostrar a quem desejar ver.
Qual foi a língua usamos para nos entendermos? Entre eu, o Kent e Liz, o inglês, entre mim e Suvintha um italiano macarrónico. E entre nós e o revisor italiano do comboio francês? Italiano macarrónico.
Bem estranho é a circunstância de o comboio ser francês, pertence à frota da SNCF, Compagnie National des Chemins de Fer Français, que em português quer dizer Companhia Nacional de caminhos de ferro franceses, portanto, companhia nacional, e, sabendo do orgulho francês na sua língua, só haver tripulação italiana, que não sabe uma palavra em francês.
Confesso que enquanto estivemos juntos nunca me passou pela cabeça querer saber a vida de cada um dos meus quatro companheiros de viagem. Seria inútil. Até porque era óbvio que só nos interessava o tempo em que ali estávamos. Ou melhor, bem vistas as coisas, a gente só se interessava no fundo para chegar ao nosso destino sem ter aborrecimentos com os nossos companheiros de viagem.
Fomos bons companheiros. Dormimos bem.
Cinco destinos diferentes que por uma só vez na vida se cruzaram.
Nem fui preciso, só desejávamos que houvesse um presente rápido para cada qual queria ir ao seu destino em Paris. Que bom que é só ter presente!
Seja qual for o destino de Liz, de Kenton, de Suvintha e do seu filho Joc, ou do meu, Deus deu-me o prazer de os ter por companheiros aquela primeira e de certeza última vez nas nossas vidas na carruagem 95 do comboio 226 a caminho de Paris – Bercy.
Seja qual for o destino que os deuses nos têm reservado, sigo o meu caminho eles seguem os seus.
Probabilidade de nos voltarmos a encontrar?
Mais vale dizer assim: adeus até á próxima encarnação.
Não será tanto assim, porque, sabendo que vou a Londres, me aconselharam a pedir num Pub ‘The real ale: Porter.’
E deram-me algumas dicas para Londres. Um pouco daquele presente irá saltar para o meu futuro e depois para o meu passado.
Mário Moura
Normandia, França
Gisórs, 11 de Julho de 2010