Diário número 01

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Comprei um caderno. Por sinal pequeno. Um caderno para rascunhar cartas aos amigos. Sei que serei respondido, talvez poucos deixarão de fazê-lo, mas espero que me respondam, porque necessito conversar, mesmo porque regularmente se me escreverem ou não, eu escreverei. O que eu quero é escrever sem compromisso, despreocupado, sem precisar dar notícias, pois quero um escrever espontâneo, livre como o vento a balançar as folhas da vida, solto como a fera selvagem a correr na mata virgem. Quero escrever todos os momentos, todos os que aos meus olhos passam como raio e que a mente possa registrar como o flash da máquina fotográfica registra a cena no papel kodak, de preferência. Sim, quero registrar o momento instantâneo do agora já pusilânime do que me acontecerá. Como agora, chove, a rua alagada e o ônibus se arrisca a passar no meio da água. A expectativa do medo está estampada no rosto de cada passageiro com os olhos fixos no torvelinho que as rodas do veículo provoca na água. Ninguém quer ficar ilhado. Os passageiros com gracejos, piadas, risadas incentivam o motorista a continuar. Cauteloso, em marcha lenta, dirige com cuidado, se o motor morrer ficaremos ilhados. Mas para o alívio de todos o ônibus passa sem perigo e todos numa só voz bradam um viva. Portanto começarei com este caderno para registrar os momentos, os meus momentos, os meus instantes, tantos os importantes como os fugazes. Quero registrar os instantes da alma, das dúvidas, das dores, das aflições, dos risos e das lágrimas. Os instantes parados como o trânsito, como minha vida, lenta, parada, estagnada no breu da vela apagada, não quero fazer confissões, apesar que possa parecer, não, não quero. Quero conversar um bate papo de um desejo suave, como o suave balançar da pluma ao sabor do vento refrescante. Assim deverão ser estas palavras gravadas neste papel. Elas que flutuem na imensidão do seu poder transpondo o suave tempo que me leva. Para onde? Que flutuem suave na imensidão de um sorriso, no toque de mãos amigas e no beijo cálido de lábios que se amam. Elas que flutuem sossegadas nestas folhas brancas. O ar abafado sufoca, as janelas por causa da chuva, permanecem fechadas, embaçadas, refletem o desespero de alcançar o destino. Haverá destino? Como saber se não acredito mais em mim. Como então saber? A chuva continua bem mais fraca, mas continua. Estamos no meio do caminho. Tomarei chuva ao chegar. Tenho que andar um bom pedaço, não é longo, nem íngreme, é uma distância razoável. Ontem a estas horas estava em casa, mas hoje... Já sinto as pontas dos dedos dos pés molhados.

Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 18/10/2006
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