DUAS CRÔNICAS

PROVA DE REDAÇÃO

Era uma equipe boa, unida. Só não éramos os três mosqueteiros, por sermos onze. Todos trabalhando pela causa da Educação. Havia entre nós um jovem interiorano, na casa dos vinte anos. Um rapaz inteligente, calmo, mas tão calmo que quando falava me dava logo vontade de deitar e dormir. Um espírito de anjo e alegre, prestativo, daqueles que gostam de estar sempre aprendendo. Foi uma experiência inestimável para ele estar entre mulheres experientes nos meandros do funcionamento de um importante setor da Secretaria de Estado da Educação.

Todas as manhãs Wilson sentava conosco em torno da grande mesa de reuniões. Tomávamos cafezinho com biscoitos e conversávamos, tanto sobre assuntos do cotidiano quanto assuntos do trabalho, decisões, planejamentos, etc. Era um colega e quase um filho. Falava também de seus estudos, projetos e planos de realização profissional na área da agricultura, pois era filho de sitiantes de classe média e pensava em tocar os negócios da família.

Preparava-se o colega pra o vestibular e, por isto, gostava de trocar idéias sobre as provas. Bom aluno em todas as disciplinas, mas receava a prova de Redação, a dor de cabeça da maior parte dos candidatos. A preparação nos cursinhos centrada em regras gramaticais e, quando chegava a hora H de produzir um texto de 25 linhas, tudo caía por terra.

Passada a prova de Redação, no dia seguinte, todos estavam curiosos para saber como Wilson a havia enfrentado. Por ser a única professora de Língua Portuguesa do grupo, eu liderei o diálogo. Afinal, como foi a prova? Ele calmo. Gostou? Você considera que fez bem? Ele pensando, calmo. E se estava cada vez mais tranquilo, fui logo tirando conclusões de acordo com os ensinamentos da Psicologia: Ele conseguiu!

A prova foi boa, eu achei. Mesmo? Sim, pensei que era um bicho de 7 cabeças, tem até gente que nem dorme. E tudo tão legal. Felicidade geral da nação, nosso pupilo vencera a pior etapa, a eliminatória. Agora era moleza, dez em tudo.

Mas me fale mais desta prova. Você conseguiu elaborar o texto no limite de linhas estipulado? Houve rasuras em sua prova? Seguiu o raciocínio Introdução, Desenvolvimento e Conclusão? Tudo sim! Que maravilha!

Ainda não satisfeita a respeito desse sucesso, continuei investigando. E qual foi o tema, Wilson? Você gostou do tema? Foi algo sobre atualidades, política? O que foi? O tema foi uma besteira, desses eu escrevo todo dia. Que sorte a sua! Sim, tive muita sorte. Diga logo como foi essa prova e qual foi o tema mesmo. A prova foi simples: tinha um texto, uma poesia. Depois, logo abaixo, havia uma explicação que dizia para a gente desenvolver o tema ESPELHOS. Comecei a ficar preocupada a partir daí. Que poema era? Quem era o autor? Olhe, eu nem sei dizer, pois penso que colocaram aquele texto ali por engano.

Tenho a impressão de que o título do poema era Espelho. Eu nem li, comecei logo a escrever para não perder tempo. Eu vi o mundo girar à velocidade do som. E aí, que fez você, Wilson? Escrevi as 25 linhas sobre todo tipo de espelho, desde aqueles redondinhos que se vende na feira, lá no meu interior, sobre os de parede, os móveis e até sobre esses modernos usados nas fachadas dos prédios. Tenho certeza de que vou tirar 10.

***

OUTRA DO WILSON

Wilson amava a natureza, só falava dos pastos, dos bois, das cabras, das festas da padroeira, etc. Vivia contando pequenos causos ocorridos em sua cidade natal. Com que graça ele falava daquele bucolismo. A gente sentia até o cheiro da terra na estrada de barro quando chovia. Ouvia o mugido dos bois, as galinhas cacarejando, o galo cantando, os pintos piando e o boiadeiro aboiando. Quando ele falava do boiadeiro era assim como tanto fazia este como os bois que tangia naquela cantoria estirada.

Era uma maravilha quando falava de como fazia arapucas para pegar passarinhos. Dizia das histórias de assombração e das noites de lua cheia quando os conterrâneos, sentados no alpendre da casa, viam um lobisomem lá embaixo da grota, perto da porteira. E a dança do fogo fátuo.

Pela manhã o melhor era sair no terreiro para ouvir todo tipo de passarinho cantando e voando pra lá e pra cá. Mas Wilson, não é tão bonito os passarinhos voando, livres? Sim, mas todos nos criamos caçando passarinhos, fazendo arapucas. Uns tem que a gente come assados e outros, como o cabeça, a gente coloca numa gaiola bem bonitona e pendura na parede da sala. No começo ele é bravo, mas depois canta que é uma beleza.

Conte como é isto de pegar os passarinhos na arapuca. A gente faz uma arapuca, que é uma gaiolinha e funciona como as ratoeiras. Quando o pássaro pousa, ela dispara e ele cai dentro e a porta fecha ele lá, pronto. Mas, se não tiver a arapuca a gente faz de outro jeito. Que jeito? Veja, outro dia eu não achei a danada da arapuca e peguei um galhinho de árvore e passei visgo de jaca. Pra quê? Pra o passarinho comer? E ele come aquilo liguento? Não! Ele não come. Veja, vou dizer. Eu coloquei lá, no meio do terreiro o galhinho ensopado de visgo de jaca. Daí, fiquei na varanda, só esperando, olhando quando vinha um. E veio logo? Nesse dia demorou um pouco, parece que ele desconfiou. E passarinho desconfia? Desconfia, sim, os bichos são inteligentes.

Depois de uns vinte minutos, olha ele lá, na cerca, lindão! Rodava a cabecinha e os olhinhos bem ligeiros. Ficou meio assim sem saber se vinha ou se não vinha. E veio? Espere, ele voou como quem ia embora. Lá, no meio do pasto, ele fez uma curva e aumentou a velocidade. Veio vindo e vindo e eu só esperando, de olho duro nele, sem pestanejar. E passou direto? Não ele veio bem na direção do galhinho. Ai, tadinho, mesmo? Sim. E? Veio e pousou. E daí? Daí ficou lá, parado, pregado no pauzinho melado de visgo de jaca. Coitado! Coitado nada. Eu fui, pé ante pé, na direção dele. Quando cheguei bem perto e que já ia pegá-lo... Que aconteceu? Ele bateu as asas com toda força e saiu voando com o pauzinho pregado nos pés. Eu calculei mal, o pauzinho era muito leve, mas da próxima vez eu vou colocar um pesado e ele não me escapa.

taniameneses
Enviado por taniameneses em 17/12/2010
Reeditado em 17/12/2010
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