Reconhecimento ou Os Velhos Orelhões

Os telefones públicos antigamente usavam o sistema de fichas, para cada ficha, um determinado tempo de conversa. Só funcionavam se a ficha caísse, o que, às vezes, nem sempre acontecia. Ora acontecia algum defeito no telefone, ora a ficha estava colocada de mau jeito, que resultava, às vezes, a gente dar uns tapas no aparelho para a ficha cair. O certo é que, na maioria das vezes, tendo a ficha, ela caía, mesmo que acontecesse do aparelho engolir a ficha. Aí a gente ficava sem a mesma e também sem o tempo de conversa esperado. Nesses casos subia um calor na gente e o aparelho, geralmente, recebia os mais bárbaros dos impropérios.

Destas situações foi cunhada a expressão popular “cair a ficha” e suas variantes: “demorou cair a ficha”; “sua ficha não caiu”; “vamos esperar cair a ficha dele”; “fulano não caiu a ficha ainda” e assim por diante. Na sabedoria popular isso quer dizer a pessoa “tomar conhecimento de uma determinada coisa ou acontecimento”, ou ainda nos dizeres populares: “se tocar”; “abrir os olhos”, enfim acordar para uma dada situação.

Fazendo algumas comparações entre os “velhos orelhões” e as pessoas, podemos encontrar situações muito parecidas, vejamos:

• Sem falar naqueles que as fichas funcionam normalmente, existem aqueles que a ficha demora a cair, ela cai lentamente e após os demais já terem percebido o “fio da meada”. São aqueles de raciocínio lento, vivem no mundo da lua, mas tem a felicidade de terem o aparelho e as fichas, que mesmo demoradas acabam caindo sem precisar de auxílio;

• Outros, parecem ter o aparelho emperrado, as fichas enroscam, custam a cair e precisam de umas pancadas para que elas caiam. Normalmente existe incompatibilidade entre o aparelho e as fichas ou defeito de fabricação dos aparelhos e necessitam sempre de um auxílio. Ainda podem se considerar felizes, pois acordam um pouco tarde, mas enxergam em tempo de seguir em frente e aproveitar a conversa ou o tempo disponível;

• Tem uns que o aparelho é muito precário, danificado mesmo e/ou vivem com defeito. Mesmo colocando as fichas elas quase nunca caem, pode dar pancada que não acordam e não desconfiam da necessidade de ajuste e conserto. Apesar de terem o aparelho, as fichas e o auxílio, pouco adianta e só servem para testar a paciência dos “fregueses”;

• Tem aqueles que não tem ficha pra cair. Aí é dose, muito parecido com o anterior, só com uma única diferença: não aceitam o auxílio, não adianta insistir, só o tempo pra dar jeito;

• Ainda tem aqueles que não instalaram o aparelho, estão no mundo da inocência. É preciso devagar ir fazendo as ligações, preparando a base para o aparelho, enfim, educar e cativar o cidadão para que ele instale o aparelho e assim, possa adquirir as fichas e haver o entendimento;

• E o pior de todos, aqueles que engolem as fichas. O aparelho funciona, a ficha cai, mas o cidadão não está nem aí, chuta o “pau da barraca”, e segue em frente com a “cara lavada”, como se nada tivesse acontecido. É o famoso “cara de pau”, não faz a ligação e geralmente do outro lado da “linha” alguém fica no prejuízo.

Pelo exposto podemos entender que o “Orelhão” é nossa consciência e as “fichas” são os ensinamentos, as experiências, os conselhos e as orientações que recebemos ao longo da vida. Nos momentos precisos elas servem para “desconfiar de si”, “se mancar”, “se acordar”... São como chaves que abrem as portas do nosso entendimento para enxergarmos situações que normalmente não enxergamos.

Bem, o motivo de toda essa prosa é examinar nossas atitudes, que muitas vezes parecem um desses orelhões antigos. É de estarrecer a capacidade de alguns cidadãos, em determinados momentos da vida, em praticar suas vontades, usarem da sua liberdade e pensarem que tudo é do jeito que eles enxergam e tudo gira em torno deles. Mesmo que muitos falem, aconselhem e mostrem que não é bem assim. É incrível que alguns indivíduos não pensem um pouco nas suas atitudes e nas consequências das mesmas, causando enorme sofrimento em seus semelhantes.

Onde estão as fichas instaladas com paciência pelos instrutores ou adquiridas com o passar do tempo?

Deu pane no aparelho? Ou foram em vão todas as experiências passadas?

Quais das categorias descritas anteriormente se enquadram? Se é que se enquadram.

Arrependeram-se?

Melhoraram de vida?

Quais os exemplos estão dando para os filhos?

Quais os sentimentos que guardam e cultivam?

Será que estávamos enganados todo o tempo?

Ou são ainda boas pessoas, que estão lutando por um mundo melhor?

São perguntas que nos vem em alguns momentos e geralmente ficam sem respostas.

Temos que rezar para não terem engolido a ficha.

Não podemos condenar ou julgar nossos irmãos, não podemos fazer isso. E mais, temos que amá-los, apesar das (in)conseqüências de suas atitudes. Afinal errar é humano. Mas, é preciso haver o reconhecimento para que a força do perdão possa circular nos coração e na vida das pessoas.

Agora, errar e continuar errando é burrice. Ajustar o aparelho e buscar as fichas para tê-las em mãos é bem mais fácil da coisa funcionar tudo direitinho como deve ser. Mais sintonia, mais harmonia e felicidade no viver.

Precisamos entender como funciona tudo isso, para nos precaver contra panes futuras, afinal das contas, todos nós estamos sujeitos a uma ou outra situação. Não devemos cobrar uns dos outros, mas precisamos saber dos amigos como anda o orelhão, se está funcionando bem, se as fichas estão caindo normalmente. Assim, cuidarmos uns dos outros para que nossa construção ao longo dos anos não seja em vão. Do mesmo modo, as palavras ditas, os ensinamentos aprendidos, a fé e a esperança em um futuro melhor.

Já vimos amigos errarem feio, mas, nem por isso deixarem de falar uns com os outros, se redimirem, pedir desculpas, querer vencer e seguir em frente. Afinal não é o erro que caracteriza a pessoa e sim a sua capacidade de reconhecer, de corrigir e de lutar por suas crenças. Isso é que mostra quem somos.

Necessitamos de uma resposta, de um alô, de uma palavra. Não precisamos de explicações e de justificativas, mas sim, sabê-los vivos e lutando e, que aprendamos sempre a lição.

(Ao meu amigo Genaro pela data do seu aniversário)