CABELOS GRISALHOS NA SALA DE AULA

José Neres

Diante do espelho, ela retoca a maquiagem. Passa as mãos nos cabelos. Põe umas gotículas de perfume atrás das orelhas. Arruma a roupa. Pega os livros, xérox e apostilas, dá um tchau para todo mundo e, elegantemente, segue seu caminho.

Ele, quase sempre apressado, escanhoa a barba, toma um banho, veste-se rapidamente. Aperta o cinto, amarra o cadarço dos sapatos. Pega os livros, cadernos, apostilas e demais materiais, despede-se da família e sai.

Os quadros acima apresentam o ritual de dois estudantes que se preparam para mais uma jornada de estudos em sala de aula. Até bem pouco tempo, essa descrição viria acompanhada de alguma palavra que denotasse a pouca idade das pessoas que se dirigem para a escola ou para a faculdade. Hoje, porém, a mesma cena pode ser vista cotidianamente com pessoas que, após anos e mais anos de dedicação ao trabalho, à família, aos filhos e até mesmo aos netos, decidem voltar para a sala de aula e dar prosseguimento – ou até mesmo início – a seus estudos.

Apesar do choque inicial da volta à sala de aula, tais estudantes de faixa etária diferenciada logo se recuperam e demonstram a professores e colegas de turma que idade não é obstáculo para a aprendizagem. Os limites impostos pelas condições físicas podem facilmente ser superados pela tenaz vontade de continuar aprendendo. As dificuldades de assimilar alguns assuntos mais complexos desaparecem com a dedicação aos livros e às pesquisas. E os preconceitos iniciais podem ser derrubados aos poucos, durante o período de permanência em sala de aula e com a troca de experiências que, obrigatoriamente, acontece no decorrer das diversas atividades educacionais.

A pessoa idosa se adapta à condição de estudante com relativa facilidade. A volta às aulas, na fase da maturidade física, que, em um primeiro momento, pode parecer motivo de vergonha, passa a ser vista como exemplo de orgulho e de superação. Não são raros os depoimentos de estudantes que se dizem chocados com a presença dos chamados “tiozinhos”, “tiazinhas”, “vovozinhos” ou “vovozinhas” dividindo o mesmo espaço estudantil com os jovens, mas que, depois de algum tempo de convivência, se rendem ao magnetismo das experiências de vida dos colegas mais velhos. Em muitos casos o estudante idoso deixa de ser visto como elemento exótico e passa à condição de espelho, no qual os mais jovens começam a vislumbrar o próprio possível futuro.

Visto apenas por esse prisma, parecer que a vida dos idosos em sala de aula vai às mil maravilhas, mas não é bem assim. O sistema educacional como um todo não se preparou para receber essa esses estudantes que em alguns casos requerem uma atenção e um cuidado especial. A estrutura física das instituições de ensino não facilita o deslocamento do idoso, os currículos nem sempre são adaptados às necessidades dessa nova clientela, e os profissionais da educação nem sempre estão preparados para lidar com pessoas que pararam de estudar há muito tempo ou que estudam com a finalidade maior de sedimentar um lastro de conhecimento e não mais com a de lutar por um espaço no competitivo mercado de trabalho.

Embora estejam na mesma sala de aula, os objetivos dos estudantes mais jovens quase sempre diferem dos daqueles outros alunos que trazem no rosto, no corpo e na experiência de vida todo um histórico de desafios enfrentados ao longo de toda uma existência de glórias ou de sofrimentos. Mas o sistema educacional não se preocupa com isso e se propõe a medir os estudantes pela escala da vitalidade juvenil e não dose de experiência que cada pessoa pode compartilhar com os companheiros de turma. Dessa forma, a educação destinada oferecida aos idosos esbarra em pelo menos duas barreiras, ambas altamente excludentes: ou vê o aluno como um corpo e uma mente cansados pelo tempo, ou o vê como um intruso em um universo feito somente para os jovens.

Não importando o nível de aprendizagem ou o curso, línguas, informática, dança, artes, graduação ou pós-graduação, o idoso é um estudante como outro qualquer, com dúvidas e dificuldades somas a momento de vitórias e de superação contra os obstáculos impostos pelo próprio processo de ensino e aprendizagem. Mais que cabelos grisalhos em sala de aula, temos no ambiente educacional seres humanos que já não lutam apenas por uma certificação, por um diploma, mas sim, como afirma a professora Jacira Câmara, uma das maiores autoridades no assunto, por qualidade de vida. E o direito à educação, assim como à saúde, é uma forma de oferecer a essas pessoas que tanto já se doaram para o mundo, mais alguns anos de qualidade de vida agregada à idade.

José Neres
Enviado por José Neres em 16/12/2010
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