Cutâneo
Dentro de sua boca pulsava um músculo resignado que batia por carma e não por vontade de viver.
Abriu lentamente os olhos e focando-o, viu-a com seus cabelos cheirosos, respirando profundamente sob o edredom.
A luz amarelada que entrou pela janela e que mudou a tonalidade da parede e dos móveis denunciava que o dia havia se libertado da noite.
O sol porém, não levou o frio, o que não impediu que ele se percebesse suado.
A empurrou para longe de si sem ser rude e foi fumar na janela, olhando o trânsito que começava a escorrer pelas ruas frenéticas.
Estava atônito. Sentiu fome. Bebeu o misto de whisky e água que restara no fundo do copo.
Se voltou à cama e a viu sob a luz da janela tatuando seus contornos e saliências, sem lhe despertar qualquer emoção.
Quem era ela? De onde viera? Por que ele estava fazendo ali com alguém que não significava nada?
Acordou-a, pediu que se vestisse e a ajudou com a tarefa de modo carinhoso e meigo.
Ela sonolenta, consentiu e saiu tentando não pisar em nenhuma garrafa, copo, cinzeiro ou qualquer roupa ou objeto espalhado pelo chão do quarto barato do hotel onde estavam. Ela cerrou a porta insinuando um sorriso doce onde se lia: “te vejo em breve”.
Seus passos se perderam pelo longo corredor até que se ouviu o ruído do elevador.
Foi ao banheiro. Se encarou no espelho por um tempo suficiente pra pensar em sua vida, contou os fio brancos, avaliou seu porte físico e insatisfeito com tudo voltou à janela. Fechou um pouco a cortina e cheirou o que restara da noitada.
Que hora seria aquela? Ligou o celular pra saber e várias mensagens e chamadas perdidas pularam em sua tela.
Selecionou a última chamada sem se importar em verificar nenhuma e após alguns instantes de reflexão, chamou.
Uma voz masculina, num tom que fundia melancolia, indignação, carinho e alívio perguntou:
“Amor, de novo? Onde você tá?“
“Oi, querido. Já to indo pra casa. Passo e compro pão?”