Deus nasceu no exílio
 
         Mais uma vez, Natal. Jesus Cristo, hoje, onde nasceria? Ao lado de sua casa, em garagem de algum rico, num bairro de classe média, numa favela, na calçada dos tribunais, debaixo de alguma marquise, no estacionamento do shopping ou entre os bancos do Mercado Central? Em alguns destes lugares, não deixariam que Ele nascesse. Enquanto Deus, nunca necessitou nascer. Preexiste a todas as coisas que foram por Ele criadas. No entanto, para se comunicar melhor com os homens, “fez-se carne e habitou entre nós”, conforme João (1,1 – 18), “para dar testemunho da luz” a um mundo, onde subsistem as trevas.
         Como retrata Candido Portinari, protegeu-se na fuga para o Egito, para escapar das espadas de Herodes, decapitando crianças com a determinação de encontrar Aquele que, segundo as profecias, haveria de nascer. Herodes não O matou, porém, trinta e três anos depois, Pilatos lavou as mãos para que assim o fizessem. Enfim, como se intitula o livro, que readquiri no sebo, do escritor romeno Vintila Horia: “Deus nasceu no exílio”. Para se vivenciar o verdadeiro Natal, o caminho também é a fuga. Fugir do consumismo, do egoísmo, da inveja, da desonestidade, das injustiças que cometemos, da omissão ou de tudo que se comete contra o amor e em ofensa ao bem comum. Não foi para sermos omissos que Cristo nasceu.
          Cartões de “Feliz Natal” e mensagens nos são endereçados, o que também nos desejam, em jingle, a rádio, a televisão, as Casas Lindóia e outras empresas do ramo. “Um, dois ou três, inda passa... industrializar o tema, eis o mal”, adverte Carlos Drummond, em Versiprosa. Este barulho ignora a felicidade para se viver bem o Natal. Repito: é preciso experimentar a coragem da fuga. No poema “Natal”, Jorge de Lima identifica passos desse corajoso caminho: “Feliz de quem, quando o ano termina, possui um doce e acolhedor abrigo: a companheira, o filho, a avó tão rara ou mesmo o amigo com quem possa se reunir em Cristo, e sua vida interior desperte viva de dentro de si uma alma de São Francisco; o amor generoso, o heroísmo estranho de beijar um leproso. De lembrar-se de que há no mundo criaturas de Deus pelo Natal sem companheira, e sem a avó tão rara e sem um beijo de mãe ou um beijo de filho, e até sem um livro que substitua o amigo”.  Se Jesus Cristo nascesse hoje, onde nasceria? Permita, caro leitor, que seja na sua casa, no abrigo do seu teto, mais precisamente em você. Assim poderá haver Natal e, quem sabe, feliz!