Da janela
[Crônica publicada no Caderno Mulher Interativa/Jornal Agora, de 04-05/dezembro/2010]
Hoje, o sol não veio à minha janela. O céu permaneceu nublado durante todo o dia. Nenhuma nuvem ousou fugir daquele plano. Parecem-me fiéis, as nuvens, talvez reféns, tamanha a obediência. Ele, quem quer que seja o responsável, parece, na maior parte do tempo, saber muito bem o que está fazendo, e o faz com uma autoridade admirável! Já o vento, penso ter ouvido resmungar alguma coisa enquanto passava apressado pela minha janela. Desejei entender a sua língua, mas, sem levar a mesma pressa em mim deixei passar também o desejo.
Árvores balançavam os galhos, agitadas. Algumas folhas, prestes a cair, agarravam-se a pouca vida que ainda tinham, enquanto outras apenas se deixam levar... E voavam longe... Ao sabor do vento. E pouco a pouco eram seguidas por tantas e tantas outras. Invejei-as muito, por um breve momento... Desejei ter em mim a ousadia destemida daquelas folhas. A coragem de se deixar levar pelo ciclo que rege a vida de todas as coisas. A ordem natural das coisas é ser livre! “É fácil, basta soltar o galho”, dizia-me a verdade das folhas. Ou apenas imaginei – penso muito nas coisas, em sua natureza simples, na ausência de pretensões, no segredo que elas guardam em seu caroço. E então, percebo que o meu é feito de um grande ponto de interrogação! Eu disse interrogação? Agora, sim.
E novamente ouvi o resmungo do vento, misturado ao som de uma caixa volante que passava apressada, levando consigo uma porção de gente no caroço, e no rastro, um pouco de terra – fragmentava bruscamente o seu caminho. Na contramão da mesma rua, avistei duas mulheres que, de mãos dadas, andavam – uma, cópia mais jovem da outra. Alheias ao mundo que lhes rodeia, passaram por uma senhora de cabelos brancos presos por grampos – como costumam usar as senhoras, além da saia estampada e dos passos lentos. A última seguiu sozinha, entrando no pátio de uma casa rosa, mas não na casa, só no pátio. E lá, ficou... Olhando a vida que passava em sua rua, aquela mesma rua que era tão minha – via ela a mesma dupla de jovens mulheres, soprava-lhe segredos o mesmo vento... O mesmo céu nublado que ameaçava chover sobre ela, ameaçava chover também sobre mim, as mesmas nuvens que fingiam pairar sobre ela, passavam também sobre mim. Sobre nós, pesava a mesma sombra. Será que ela sentia o mesmo pesar que sentia eu?
Foi então que ri, pela primeira vez naquele sábado tão cinza. Ri da imensidão de minha arrogância – egocentrismo descabido! Se alguma razão morasse em meu pensar, seria eu a sentir-me como ela, e não o contrário, nunca o contrário! Era essa a ordem natural das coisas: as mais jovens, ainda que por diferentes caminhos e velocidades, seguiriam o mesmo destino das mais velhas, assim como antes fizeram as folhas que da mesma árvore pendiam. Assim como um dia também fariam as mulheres que naquela tarde seguiam, sem saber, pela rua que daquela janela era minha...