Descrição de Um Momento
Hippies vendem colares.
Compro colares que não usarei.
Faço tatuagens que esqueço o significado.
Pranteio a míngua de um sentimento inexistente.
Ouço músicas pelo ritmo, ignoro a mensagem da letra.
Falo de amor sem saber se sei o que ele é, realmente.
Tropeço durante a vida toda em livros que, quando abro, me apaixono por.
Exploro o outro mundo, derrubo as paredes lisas do Universo em devaneios inconclusivos.
Derrubo os meus interiores, construo outros, derrubo novamente, pois sou a inquietude encarnada.
Enfio a cara na privada e dou descarga para ver redemoinhos, quando tudo está calmo demais.
Não preciso de tédio, dispenso o tédio, não agüento o tédio e alterco com vêemencia contra tudo que me traz tédio.
Seguro sua mão, desço a rua, desvio das pessoas, caminho por entre os carros te trazendo comigo. Para onde?
Hippies me convencem com suas lábias, atores fazem samba à luz da lua, junkies dormem em cima de jaquetas de couro.
Mulheres de saia curta cruzam as pernas e disparam flechas cheias do pecado em corações incautos de homens distraídos.
Passo as mãos no cabelo, converso com a segurança, mando mensagem, peço outra cerveja, deixo a ponta dos dedos na carne viva.
Estou perdido sabendo onde estou e estou perdido sabendo quem eu sou, sabendo que todos os atalhos me levam para o mesmo caminho da autocomiseração.
É demasiadamente niilista reconhecer a minha perpétua inutilidade no mundo e não mover meia palha para mudar isto?
Casa casa amor dor dissabor vento frio lua elo perfume ego olhares saudade nada sim pernas corri morri não fico também.
Hippies me dão a lembrança de um colar que comprei sem precisar usar com madeiras marrons e brancas e um pino com rosca.
Arco vermelho, cisnes que latem, cocos que flutuam em lagos mansos no final da tarde de primavera de céu meio-azul meio-cinza.
Pedrinhas que pulam três vezes e cada pulinho gera torvelinhos que começam com pequenos círculos que vão aumentando gradativamente.
Planetas com explosões de fogo e gelo giram em torno de planetas que giram em torno de satélites que giram em torno do Espaço.
O espaço pára entre as pernas brancas e lisas e os dedos passeiam na nuca e as falangetas sentem os cachos desalinhados em perfeita harmonia.
O ranço das bocas fundem-se, os dedos se entrelaçam, o silêncio chafurda na cacofonia urbana e os ratos entoam desafinadas árias em comemoração.
Agora o celular toca e é tarde demais, não quero, lembranças, míngua de algo que existiu someday no pretérito longínquo do outono que se foi.
Deliberada redundância quando comparo as estrelas às esmeraldas incrustadas no branco dos olhos teus.
Deliberada prolixidade, teias jogadas ao acaso, armadilhas de urso, minas terrestres, embustes bumeranguescos, lábia de hippie.
Hippie que faz com que eu contemple esse colar e me lembre do samba dos atores e dos junkies dormindo em cima de jaquetas de couro e de ratazanas de orquestra e da caminhada sem fim rumo ao que culminou na anotação de oito números e um nome dentro de um chip de memória e da contemplação de nuvens douradas tingidas pelos primeiros raios de sol de um domingo que foi vivido na beira de um lago com cisnes que latem e celular que por vinte e uma vezes não toca e a polícia é chamada e o calor é úmido e as pedrinhas tentam acertar o furo do coco que bóia no lago de águas caudalosas onde crianças jogam pipocas para os gansos que se utilizam de seus longos pescoços para olhar pra trás e ao longe e contemplar a silhueta de dois corpos sentados na grama vendo o sol se pôr; o mesmo sol que tingiu de laranja as nuvens pela manhã.
Coldplay - Yellow
Coldplay - The Scientist
Coldplay - Clocks
Coldplay - In My Place