A menina que roubava corujas
As pessoas não escrevem mais. Essa é uma grande verdade, e como todas as grandes verdades, essa não poderia doer menos do que as outras. Contudo, para ela era uma dor atroz, diferente das dores comuns que as pessoas sentem diariamente, por que as dores do dia-a-dia são realmente funestas para muita gente. E como tudo isso começara? Uma boa pergunta visto que a fonte de toda aquela dor provinha da visão que teve de uma coruja no caminho para o trabalho. Era uma coruja comum, daquelas que existem em todas as esquinas de todas as cidades do Brasil. Daquelas marronzinhas, que piam como se não fosse haver mais noites e meias-noites, ou se não fosse mais haver para quem cantar aquele pio de coruja. Entretanto, para aquela menina não era apenas o canto que a enchia de esperança, e sim, a presença mais do que eloqüente daquele pássaro de hábitos noturnos e canto triste. Talvez seja esse o motivo pelo qual ela adorava escrever. Nunca ninguém soube ao certo o porquê, mas dizem que a coruja a tinha inspirado. Com certeza era a plumagem pitoresca de uma corujinha mineira, da cidade de Uberaba, no Triangulo Mineiro. Talvez fosse o fato de a coruja estar cuidando de seus filhotes, que tinham acabado de chegar a este mundão de Deus. Todos tinham um motivo e gostavam de expô-lo e defendê-lo impiedosamente. Entrementes, ninguém deu muita importância àquele canto de corujinha. Pode-se dizer que foi esse mesmo canto que a impingia a continuar escrevendo sem parar. Decidira, então, roubar a coruja. Não lhe pareceu um ato ilícito uma vez que, sem a bichinha, um bloqueio enorme tomava conta de sua mente. Não podia escrever sem ter certeza de que o pássaro cantaria somente para ela. Não seria muito egoísmo da parte da garota que aquela corujinha tão livre fosse parar dentro de uma gaiola, condenada a viver, para sempre, até o fim de sua vida, em uma gaiola, atendendo as requisições de uma escritora que não sabia como escrever sem ter uma coruja ao seu lado? Pois bem, ela não podia mesmo. Estava decidida. Iria mesmo roubá-la. Esperou a noite cair e, enquanto todos estavam se recuperando de um dia de esforços intermináveis, lá foi ela, atrás de sua fonte de inspiração mais inusitada. Levou consigo uma gaiolinha de madeira bem escura, uma em que seu avô costumava manter um curió de canto triste como o de sua corujinha. Passara uma vida escutado o canto daquele passarinho que, como aquela coruja, deu tanta inspiração a seu avô, um violeiro caipira que havia, há muitos anos atrás, conquistado o amor de uma mulher com as dedadas forte e precisas de suas mãos calejadas de lavrador de terras infrutíferas. Quando a mulher morreu, entendera que não era o famigerado curió que o havia inspirado tão fortemente. Todavia, a garotinha não sabia de uma porção de detalhes dessa história e lá foi ela, em direção á toca onde a corujinha estava com toda a sua prole. Muitas pessoas não entendem que não devemos, jamais, ter o desejo de aprisionar nossas inspirações em gaiolas. Assim como os pássaros, elas devem ser livres para mudar a vida de muitas pessoas. É somente por causa de suas asas que elas chegam até nós e nos enchem de alegia.