O diabo é rico
Tem comida aí pra pobre? Bradou uma voz disposta e altissonante, indiferente ao burburinho dos camelôs que lotavam a praça São Pedro. – Pobre é o diabo, respondeu uma voz tímida e atrevida. -O diabo é rico,dona,pobre somos nós. Retrucou o homem,com uma voz decidida e segura. Eu estava sentado em um banquinho tosco atrás da velha senhora que todos os dias vendia suas marmitas aos transeuntes e camelôs da praça. “Seus clientes eram pessoas extremamente simples e humildes, mas eu gostava da comida” dela, além de o ambiente me provocar fortes reflexões. A praça abrigava árvores centenárias, eu as observava com carinho e atenção. Elas ofereciam apoio, sombra e oxigênio àquelas pessoas. Os camelôs, principalmente, usufruíam diariamente de suas benesses. Mas parecia que as árvores eram invisíveis, as pessoas se desviavam delas mecanicamente, nem se quer se davam ao trabalho de olhar para cima para verificar sua importância, imponência e majestade.Olhei para os personagens do diálogo. O homem era já idoso. Tinha mais de setenta. Quantas não morrem antes de nascer? Trazia nos ombros o peso do tempo, mas aparentava vigor e disposição.Sua expressão era grave. Vestia-se com simplicidade, mas suas roupas estavam limpinhas. Seu chapéu de “massa” cobria seus minguados cabelos brancos, seus óculos caíam-lhe sobre o nariz aquilino. Tive vontade de sentar-me perto dele, sorver um pouco de sua experiência, porém meus minutos eram contados, eu não poderia demorar-me. Afinal, a frase que pronunciara já fora suficiente para conduzir minha reflexão a uma das três grandes tentações sofridas por Jesus.A moça que ousara responder-lhe era de aparência sofrida, parecia usar a imaginação apenas para repetir, irrefletidamente o que ouvia. Seus pés estavam sujos dentro de humildes chinelos. Trazia no rosto as marcas do sofrimento e da desilusão, mesmo assim, achava que o diabo era mais pobre que ela. Tive pena daquela figura esquálida.Após uma longa reflexão deduzi que o velho homem realmente parecia estar correto. O diabo é milionário. A riqueza do mundo lhe pertence. Duvida? Pois veja palavras saídas da própria boca dele no diálogo que teve com Cristo em um dos montes de Jerusalém. “O diabo levando Jesus a um alto monte, mostrou-lhe, num momento de tempo, todos os reinos do mundo e disse-lhe o diabo: "dar-te-ei a Ti todo este poder e a sua glória, porque a mim foi entregue e dou-o a quem quero, portanto, se tu um adorares, tudo será teu”. Jesus respondendo-lhe disse “-vai-te satanás, porque está escrito “adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás.”. Veja que o próprio diabo declarou ser dono de todo poder e glória. É rico. Mas também é infeliz. Quis trocar todo poder, glória e riqueza por um único momento de adoração por parte de Jesus. Mas o Mestre não se deixou subornar.Se Deus criou todas as coisas, por que o próprio Lúcifer declara que a ele foi entregue? Como o diabo conseguiu apoderar-se de todas as riquezas? Teria sido na suposta queda do primeiro casal? Gostaria de voltar a encontrar o velho homem para fazer-lhe estas perguntas. Teria ele resposta? O certo é que ele estava certo – o diabo é rico. Mas descobri outro detalhe – A riqueza não torna o diabo feliz.
Marcos Antonio Vasconcelos Rodrigues
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