O PIQUENIQUE

O piquenique

Aquela noite seria longa, mas provavelmente eu tenha caído no sono em seguida. A manhã chegou tão rápida que me ocupei de minhas coisas de modo a não perder um detalhe, a não esquecer a bola de vólei, o estilingue, os guides. A mala era pequena, eu não tinha aquelas mochilas modernas, não, era uma mala esquisita de lona e papelão. Quando levantei, às 6 horas mais ou menos, tudo estava pronto, ou quase pronto à mesa, pois a condução que nos levaria ao passeio sairia às 7:30 horas.

Minha mãe se desdobrava em fazer o lanche e mais do que isso, dar os habituais conselhos. Não pega muito sol, te cuida dos lugares perigosos, olha os precipícios, fica sempre atento e não te afasta do grupo, muito menos da professora. Ela será o teu guia. Não precisava de tudo aquilo, mas era de praxe. As horas passavam rápidas, mas a escola ficava apenas quatro quadras de minha casa. Nada que fosse atrasar-me. Eu estava ansioso. Ouvia com uma mão na mala e outra na xícara, atento ao que meu coração dizia, avesso ao discurso de minha mãe. Aliás, a preocupação dela era exasperante para qualquer mortal, mas para mim, que ouvira aquele lero-lero desde a noite anterior ou talvez a semana toda, era demasiado. Certamente, todas as mães fazem a mesma coisa, todas engrossam o caldo das lamentações, dos medos, dos avisos e finalmente dos abraços e beijos, numa disposição enfática para que tudo dê certo, que o piquenique seja maravilhoso e que os filhos voltem sãos e vivos. Minha mãe, é claro, não fugia à regra. Meu pai, a esta hora, já estava longe, a caminho do trabalho. Minhas irmãs nem sonhavam em levantar-se, ocupadas em que estavam em seus sonhos de adolescente.

Já eram praticamente sete horas quando tudo estava pronto. Minha mãe insistiu em levar-me até a escola, tinha recomendações a fazer à professora, informar-se sobre horários e prováveis eventos durante o percurso, paradas no meio do caminho, horário para almoçar, os infinitos perigos que poderiam rondar os despreparados meninos, principalmente o dela, e ter a certeza absoluta que tudo correria bem.

Fui implacável, entretanto. Eu iria sozinho, afinal era um menino de 10 anos, não faria papel de bobo ir com a mamãezinha à escola, ela que me deixasse sozinho que eu me acomodava do meu jeito. Fiz de tudo, até promessas que faria tudo como ela tinha ordenado, que me conduziria como um bom menino, que faria o lanche na hora certa, que evitaria os precipícios e principalmente que obedeceria à professora. Tanto insisti, que ela concordou, desanimada, pensando consigo se devia aceitar o meu pedido, mas concordou. Foi o suficiente para eu pegar a mala, ajustá-la em meu corpo mirrado e correr para a rua em direção à escola. Não me deixou chegar ao portão. Abraçou-me, beijou-me, encheu-me de recomendações, aquelas mesmas que havia insistido em carimbar em minha mente, que a estas alturas estava conturbada pela ansiedade.

Depois dos abraços, afastei-me devagar. Ainda ouvi a sua voz desejando uma boa viagem e a sugestão que eu sentasse mais ou menos na metade do ônibus, porque era mais seguro. Na frente, sabe Deus, o que pode acontecer. Em caso de acidente, o primeiro que é atingido... parou aí. Acho que temeu prosseguir a frase e que o vaticínio involuntário acontecesse. Sorriu e me acenou do portão.

Fui aos trancos e barrancos, quase correndo em direção à escola. Mas feliz. Meu coração dizia que seria um piquenique daqueles! Era o meu dia de liberdade, de ação, de vida e nenhum daqueles avisos ainda martelavam na minha cabeça.

Entretanto, chegando próximo à escola, para ser exato, uma quadra apenas, o ônibus repleto de alunos começou a mover-se, fazendo uma curva e dobrando em seguida na direção contrária ao meu movimento. Meu coração bateu assustado. Corri feito louco, tentando ocupar o lugar que era meu, o dia que se apresentava a mim, a vida que se desenrolava naquele veículo. Ainda ouvia a cantoria das crianças, quando o ônibus dobrou na esquina. Cheguei na escola desesperado e sem que dissesse nada, ouvi o porteiro anunciar que o ônibus esperara 20 minutos. O horário correto era às 7:00 e não às 7:30 como havia pensado.

Na verdade, pensei em tudo. Tive todas as recomendações do mundo. Só errei a hora da saída do ônibus.

À tarde, o veículo passou, abarrotado de crianças ainda com toda a energia, cantando. Eu chorei.

Gilson Borges Corrêa
Enviado por Gilson Borges Corrêa em 11/12/2010
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