CRÔNICA – O menosprezo à saúde - Escrita em 10.12.2010

            Estou na minha casa de praia. Aqui é o meu reduto para as horas de alegria, tanto para afogar as mágoas do dia a dia. Este abrigo já foi ambiente para hospedar mais de cinquenta pessoas num desses carnavais loucos de Pernambuco. À beira mar e sem ônus para os visitantes não poderia haver diversão melhor.

            Que ninguém se engane: Mesmo a esse preço ainda sai gente criticando isso, aquilo e aquilo outro: “Viram como a cerveja estava quente; que churrasco gorduroso; mas a dona da casa come demais, seu marido não fica nada a lhe dever; e aquele advogado ladrão, que soltou aquele preso por uma fortuna; eu morri de rir com a barriga daquela mulher, parecendo que teria trigêmeos; agora aquele rapazinho garanhar com a namorada na vista de todo mundo foi demais; cara teve uma hora que faltou papel higiênico no sanitário e eu me limpei com jornal mesmo; outra coisa foi aquele uísque falsificado...”, e assim por diante.

            Mesmo assim, tenho saudades. Mas retomando o título deste escrito, à noite de ontem tentei contatar com o meu amigo Severino (conhecido por Extra), que é pedreiro, inclusive construiu a dita casa, mas nas horas vagas é pescador; daí, juntamente com o meu caseiro, que toma uma cachaça dos seiscentos diachos, dizem que bebe com farinha, fomos a casa dele, eis que nem mesmo telefonemas estava atendendo.

            Era de o meu desejo ir ao mar nesse domingo, a fim de voltar a exercitar as minhas pescarias, querendo desfocalizar o tema da cirurgia que estou pra fazer, e ele é um sujeito de confiança; seu único defeito é querer entender de tudo, mas é boa praça, sabe aonde deve meter o nariz, como se diz na gíria. Vai gostar de rabo de saia assim no raio que o parta!

            Ao chegar a sua residência, que fica a uns três quilômetros da nossa, pude me deparar com um amigo desfigurado, perdera uns quilos, estava franzino demais, rosto enrugado, tudo de sofrimento pelo simples motivo de ser pobre. Falou-me, olhos cheios d’água, do estado de penúria por que passava a sua esposa (casado há 24 anos), internada, vejam bem, nos corredores do Hospital da Restauração, no Recife, depois de sofrer uns trinta dias num hospital daqui mesmo do Cabo de Santo Agostinho.

            Confesso que fui meio contundente com ele: Rapaz, como é que vocês votaram na candidata oficial do governo; são cegos e surdos a ponto de não enxergarem e nem ouvir o que a mídia fala todos os dias a respeito da verdadeira miséria por que passa a saúde no país? – Mas doutor, agente é levado por chefes políticos, amigos e pequenas besteiras que o governo faz para impressionar os pobres e no final somos enrolados. – Deus me perdoe meu amigo, mas continue assim; vamos ao que interessa.

            -- Olha, se você estiver desempregado me passe logo sua carteira profissional para que eu a assine. – Não precisa, pois estou trabalhando numa construção, mas o negócio é que não tenho condições de sair todos os dias daqui de Gaibu (Distrito do Cabo) com destino ao Recife, pois além do transporte tem a alimentação, sem perder de vista a despesa que tive com exames de ressonância magnética, que foi uma fortuna. – Mas na Regeneração não fazem esse tipo de exame? – Não sei, mandaram-me para clínicas particulares. – Isso que você está me dizendo é um descalabro meu caro; suba no carro, vamos ali comigo.

            Fomos à busca de minha cunhada, que tem prestígio nas prefeituras de Jaboatão dos Guararapes e na do Cabo, a fim de apelar no sentido de que ela tentasse conseguir, dentro das normas, a transferência da paciente para mais próximo de sua família, pois foi inaugurado o Hospital Dom Hélder Câmara lá na região onde eles moram. A meu pensar, nada mais fácil. Além do mais, por incrível que pareça, ela estava na nonagésima posição para ser submetida a uma cirurgia de causa ainda em estudos.

            Prestativa, como sempre, cuidou logo de ligar para uma enfermeira chefe, a fim de saber verdadeiramente o ocorrido, pois na emoção os familiares quase sempre não sabem contar direito, até mesmo por falta de instrução. Depois disso, com certeza, iria manter contato com algumas autoridades do ramo, na tentativa de fazer a transferência, isso se não vier a causar danos maiores à doente.

            Queira Deus que o meu amigo não fique viúvo tão cedo, que tome juízo e saiba escolher na hora certa de dar o voto para tentar mudar essa verdadeira anarquia que está na saúde do povo pobre nacional. O Lula foi eleito não por qualidades excepcionais, porém por protesto dos brasileiros.

            Não quero dizer que o doutor Serra resolvesse a questão, mas que se as coisas nunca mudarem as nossas vidas continuarão a ser jogadas às feras, enquanto o mundo político se apodera dos recursos do povo brasileiro, dando-lhes destinos incompatíveis com o nível de subdesenvolvimento que enfrentamos, naquilo que considero o maior menosprezo de todos os tempos com os seus concidadãos.

Era o que tinha a dizer.

Texto em revisão.

Foto: GOOGLE.


Interações:

11/12/2010 14h26min - Giustina, grande escritora, assim falou:

Relatos como este entristecem e indignam a gente, Ansilgus. Agora, ainda, querem "ressuscitar a CPMF! Já nos levaram milhões quando ela existia e o que fizeram com o dinheiro? Na Saúde é que não foi, pois o descalabro continua. Acho que estão é querendo matar todos os pobres desse País e depois dizer que o Brasil é País de 1º Mundo, pois ficará só uma classe privilegiada, com grande poder aquisitivo... Tua crônica é, antes de tudo, um grito de protesto contra a inversão de valores. A ganância substituindo o ser. Grande abraço e bom final de semana.

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12/12/2010 08h42min - nana okida:

Na verdade, eu acho que agora acabou a esperança de mudar, basta dar uma olhadinha no passado/presente da corja escolhida para assessorar a "presidente”... Num tem jeito que dê jeito! Parabéns menino, pelo tema abordado e boa sorte à esposa do teu amigo, bjs!

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11/12/2010 16h36min - SoniaRevoredo:

É triste e vergonhosa a saúde de nosso país. Não tem como esconder o descaso para com os seres humanos menos providos de condições financeiras. Tenho uma amiga que trabalha na Saúde Pública aqui na minha cidade. ela me relatou um dia que sai de casa em prece pedindo a Deus que lhe de forças e coragem de fazer um bom trabalho diante do que vai enfrentar. Falta tudo se um paciente precisa de um raios-X a máquina nunca funciona, se precisa de exames o hospital não dá e ainda por cima o Diretor certo dia a repreendeu por ela pedir exames demais que passasse só uma Dipirona e mandasse pra casa. No que ela respondeu se vc não faz jus a seu juramento eu enquanto aqui estiver vou fazer ao meu se não vai autorizar o problema já não é mais meu. VERGONHA NÃO MEU AMIGO? É DE CORTAR O CORAÇÃO.

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12/12/2010 17h32min - Sarah Aline, assim falou:

É lamentável saber e passar por situações que colocam nossa dignidade em prova, principalmente quando mais precisamos de cuidado, atenção e responsabilidade por parte dos que irão nos atender e o compromisso de manter em boas condições e FUNCIONANDO os locais de atendimento, pois nessa situação é caso de vida ou morte, LITERALMENTE. Muito boa sua crítica! Convido-o para continuar "O jogo dos sete" que respondi em minha página. Abraços

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12/12/2010 11h31min - Celêdian Assis, também contribuiu:

Meu caro amigo, não tenho a menor esperança que algo mude em curto ou médio prazo, enquanto reinar absoluta este espécime de político, aos montes aqui nesta terra, desprovidos de senso humanitário e pouco preocupados com os grandes déficits sociais, na saúde principalmente e em outras áreas tão necessárias. É isto que dá um país cuja educação do povo foi relegada ao descaso. Fosse a maioria educada adequadamente, certamente saberia reivindicar seus direitos como cidadão e que o estado é responsável. Sinto pela esposa de seu amigo e desejo-lhe melhor sorte, pois fazendo ela, parte dessa maioria sem privilégios, só Deus e a sorte a socorrerão. Ótima crônica! Meu abraço, estimado amigo.

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12/12/2010 18h40min - Jonas R Sanches:

Boa tarde Ansilgus... Muito coerente sua crônica, o sistema de saúde no Brasil é vergonhoso, principalmente quando se trata das pessoas de baixa renda, que não tem condições de pagar um tratamento decente, tive uma conversa com um médico há uns dias e ele estava revoltado com o sistema e com os próprios amigos de trabalho que por conveniência tratavam de qualquer maneira os pacientes menos favorecidos financeiramente, acredito que existem ainda boas pessoas dentro do nosso sistema de saúde, mas, o próprio sistema impede de essas pessoas agirem como deveriam realmente!Nosso país tem que melhorar muito, não só na saúde, mas em praticamente todos os setores!Grande Abraço!

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12/12/2010 22h45min - Alcir Andrade:

Sua crônica é linda pena que se trata de algo que acontece na maioria das cidades do país, adoraria saber que tudo o que escreveu é ficção e que estas coisas não acontecem com ninguém. Parabéns pelo belo texto. Obrigado por suas palavras ao comentar o JOGO DO SETE. Uma linda e abençoada semana. Abraços

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12/12/2010 22h23min - Mada Cosenza:

Mas ansilgus, o Brasil está ótimo, do jeitinho que o povo quis, infelizmente. Parabéns pela belíssima crônica, como sempre. Abraço carinhoso

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12/12/2010 20h51min - Alga marinha:

Lamentável, o que acabo de ler, nesta sua bela crônica, Ansilgus!Resta-me parabenizá-lo, por mais esta crônica tão bem apresentada e desejar, que algo mude para melhor!Meu abraço. Parabéns,pelos seus "gritos",tão necessários ao país e ao mundo!

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