Todo mundo conta
Dia desses me flagrei por mais uma vez narrando à minha melhor amiga(com detalhes sórdidos) uma experiência sexual que vivi na noite anterior a de nossa conversa. O problema é que comentei acidentalmente com a pessoa com quem estive na ocasião, que vez ou outra eu conto aos meus amigos sobre minhas aventuras, e percebi certo constrangimento da parte dela, mesmo que pra mim, aquilo fosse perfeitamente natural. Logo em seguida me peguei pensando em como em nossa geração, satirizamos e banalizamos assuntos que nos deveriam ser particulares e íntimos.
Lembro-me das reuniões de família da minha infância, a cada data comemorativa, onde sempre as mesmas cenas se repetiam. As mulheres falavam sobre novela, fofocas e seus filhos na sala, os homens se reuniam na varanda pra tomar cerveja, falar sobre futebol, mulheres e obviamente: sexo. Era aceitável e comum que eles contassem piadas sujas entre si, e comentassem, mesmo que bem mais contidos do que os homens de hoje em dia, sobre suas vidas sexuais, mas quando alguma mulher ou criança se aproximava, obviamente, o assunto mudava, e eles fingiam que nada acontecia. Por muitas vezes, em meu mundo infantil, fiquei remoendo o que poderiam significar certas expressões que eu ouvia sem querer, ao passar ao lado da mesa masculina pra roubar algum salgadinho do tira-gosto. Acredito que havia a conciência de não permitir que o assunto se tornasse desrespeitoso para com as esposas e filhos, e por isso, eles o mantinham entre si. Uma atitude louvável, se compararmos com algumas maneiras de tocar no assunto mais recentes. havia também o pudor das gerações passadas, que faziam tudo "por trás dos panos". Fingiam só iniciar a vida sexual após o casamento, e casavam se a moça acabava engravidando. Certos valores que a sociedade atual perdeu.
Cresci acreditanto que a família era santa, já que o assunto "sexo" sempre foi tabu dentro de casa, mas hoje em dia, os tempos são outros.
É considerado na maioria das vezes vulgar e machista o comportamento taxado como masculino, de contar aos colegas de faculdade e trabalho, tim-tim por tim-tim das transas que eles tem com suas namoradas, "ficantes" e garotas que levaram consigo depois da "balada". As mulheres, por sua vez, ficam aborrecidas e injuriadas quando isso acontece, mas logo depois acabam repetindo a mesma ação, falando sobre o tamanho dos pênis de seus parceiros, do quanto eles "terminam" mais rápido do que elas, se eles demoram demais pra "levantar", e outras peculiaridades com suas amigas. Os homens contam pra se vangloriar sobre os outros, já que em sua natureza há a necessidade patológica de competir. Eles vêem sexo em tudo que os rodeia, e é obviamente um de seus assuntos favoritos. Eles dependem biológicamente disso, e os que não tem tanta sorte nesta área, quase sempre não são os mais populares da turma, e geralmente se tornam a piada. O homem vê o sexo como troféu, como forma de provar sua capacidade. Algumas mulheres pensam assim também, e se comportam como homens, o que fatalmente resulta em discórdia entre os sexos, neste caso.
As mulheres contam pra comparar suas experiências, e saber se foi só com elas que seja lá o que for aconteceu. Uma mulher é incapaz de aceitar que se aconteceu daquela maneira com ela, ninguém mais em seu meio social viveu a mesma situação, então pra isso, precisam comentar entre si, criar uma longa teoria sem fundamento sobre aquilo, e rir juntas no final. Mulher fofoca, homem fofoca, cada um de sua maneira, e por motivos distintos, mas no final, até em um assunto que deveria ser pessoal, há necessidade de expor as vergonhas, suas e alheias.
Os gays, mesmo tendo relações diferentes, não deixam de ser homens, e em sua maioria, contam vantagens como eles,e competem da mesma maneira, porém, com objetivos também diferentes. É interessante pra eles provar quem consegue mais, quem seduz mais, quem é mais interessante, e as conversas geralmente são tão pesadas quanto as de "caras" héteros na mesa do bar, ao final do expediente.
As lésbicas tendem a se dividir entre o clássico "vamos comentar, e fica só entre nós" e o "vamos contar e rir juntas desse absurdo que uma de nós viveu". As mais reservadas, ficam só no "aconteceu comigo, amiga, e foi muito bom..." mas no final, acaba tudo na mesma.
É claro que eu generalizei geral aqui, e que muitas vezes não é exatamente desta maneira que acontece. Existem homens que respeitam suas companheiras, e comentam sobre suas experiências apenas com os amigos mais próximos e de confiança, assim como tem mulheres que falam deliberadamente sobre o que fazem com seus "objetos de trabalho" pra quem quiser ouvir. Tem gays que cuidam da própria reputação, e lésbicas que agem como os "caras" da mesa do bar. É fato que existem aquelas pessoas que tem realmente bloqueio pra falar do assunto, e se sentem incomodadas em expor suas vidas pessoais, acabando por não comentar nada com amigos e amigas, e que até se aborrecem quando alguém pergunta algo do tipo, mas no final, elas sempre acabam insinuando uma coisa ou outra, e isso por si só, já é uma maneira de contar.
Generalizando ou não, o fato é que, seja pra fofocar, comentar, discutir, se vangloriar, comparar, mesmo sem intenção, mesmo que seja apenas pra desabafar, se o assunto é sexo, todo mundo, em algum momento, conta. Não adianta ser hipócrita, e dizer que nunca tocou neste assunto com ninguém. Até quem é virgem, comenta sobre como espera que seja, com quem já transou tenta lhe dar uma prévia de como vai ser.
Sexo é bom, falar de sexo é normal. Não importa se você é moderno ou "quadrado", se é reservado ou exposto, se é hétero ou homo. Só não podemos deixar de lado aqueles velhos valores dos homens de minha infância, que são, mesmo que de forma amena, manter o respeito para com as pessoas com quem nos relacionamos, e antes de sair por aí falando o que bem entender, se colocar pelo menos uma vez no lugar do parceiro ou parceira, seja ele ou ela fixos ou de uma noite apenas, e pensar sinceramente até onde gostaríamos de ter nossa intimidade exposta por aí.