Nunca mais o depois

Ela se recostou, ligou a televisão. Estava cansada, muito cansada. E pensativa também. O filme em sua cabeça, nada tinha a ver com as imagens da tela.

Pensava...

Pensava em quantas vezes mais, adiaria o reatar da sua identidade.Será que se perdera tanto assim, pelos caminhos? E que caminhos eram estes, que não a conduziram, que a desviaram de si mesma?

Agora havia pouco tempo. Um tempo escasso para retornar pelas trilhas e descobrir-se. Na estrada por si mesma construída, havia demasiados atalhos.

Atalhos do “deixar para depois”, “amar depois”, “cuidar-se depois”, “enamorar-se depois”, fazer projetos...DEPOIS.

Tantos foram os adiamentos, o esquecer-se, que o amanhã não tinha mais vez. Andava de costas para o futuro, voltada para o passado, para o ontem dos “depois”.

Mas, agora, isto pesava sobremaneira. Os atalhos se transformaram em labirintos. E eram imensos, sufocantes e sombrios.

E foi assim, que de repente, tudo ficou muito claro para ela. Na parede, à sua frente, uma nesga amarelada do sol. Hipnotizou. A cortina da janela, esvoaçava e lançava desenhos sobre aquela tela. Nem percebeu o tempo em que ali ficou, envolvida pela dança. Também não percebeu o salto para fora da cama. Desejou olhar o céu. Até estranhou tanto azul. Fechou os olhos, saboreou a brisa da tarde. O sol aos poucos se foi, em caminhos de ouro, vermelho, laranja. O astro rei se despedia, com majestade, no infinito. Deixou saudade, mas em seguida vieram as estrelas, a lua. E ela ali, fascinada com tamanha beleza que há tempos desconhecia. Que há tempos se negara.

Quase deslizou em direção ao enorme espelho. Estranhou. Cadê a cor em sua face? E o brilho dos olhos, por que se apagou? Quem era esta mulher? Estendeu a si mesma a mão. Desenhou em seus lábios um sorriso, abraçou-se com auto compreensão.

Nada prometeu, dessa vez. Isto já não era necessário.

Descobriu-se, renascendo de si mesma. O pensamento corria rápido à frente. E anteviu o futuro. Seu futuro do “agora”.

Num tempo em que não mais haveria...

Nunca mais o “deixar pra depois” .

Nuria Monfort
Enviado por Nuria Monfort em 09/12/2010
Reeditado em 10/01/2013
Código do texto: T2663039
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.