A pena dos cadastros

Estamos vivendo a era dos cadastramentos. A idéia média básica é de que tudo se classifica. A coletividade recebeu dessas mentes entijoladas o cimento tido como exato. Nada aborrece mais nos dias de hoje do que convite para cadastramento. Cadastre-se. Bip. Cadastre-se. Essa cadastragem toda fica bem para investigadores da polícia. Pressupõe fidelidade artificial, imposta com suma deselegância, espera retorno ao ponto em que paramos, obrigatoriamente. Grilhões modernos, condicionadores forçados. Logo a rede mundial de computadores é o mundo dos cadastros. (A internet retornaria a sua origem de liberdade se não possuísse donos que são limitadores de um espaço inicialmente infinito). São cadastradores e vigias da monstruosa curiosidade humana.

Outra idéia semelhante é a de classificar. Quem cadastra classifica ou desclassifica. Tudo deve ser classificável até o inclassificável. Nada mais hiperbolicamente detestável do que acreditar em classificações. Há poucos dias a mãe de um garoto entrou na loja de livros atrás do filho que seguia na frente. Como são raros os meninos interessados em leitura permiti que observasse tudo com voraz ansiedade. Seus dedos trêmulos tocavam os livros e as revistas quando a mãe lançou a pérola definitiva: “meu filho é...” Fiquei esperando. “Meu filho é... autista”. De chofre declarei: também sou. O que sucedeu foi espantoso. “O senhor gosta de ler?” Respondi que sim. Ela desabafou satisfeita e atordoada: “ele passa o dia inteiro lendo”.

As definições esclarecem os doutos e emparedam os idiotas. Nada fica melhor na vida de um acadêmico pronto para se doutorar do que classificações. Tudo isto me lembra a Casa Verde de Machado de Assis. É assim.

Ninguém fraternal vive fraterno vinte e quatro horas, logo virá o apelo de renovação com valor simbólico. É só esperar. Nem mesmo sábio, nem mesmo divino o tempo todo ninguém é. A certeza de que este é, de que ela é, vigora fatalmente como discriminação admitida, marca de ferro e fogo, castração. Nada mais horrível do que verificar a morte em vida de tanta gente apontada por horríveis certezas. Certezas alheias. Por dentro somos águas que correm sempre entre o ser e o não ser. O somos e não somos de São Heráclito. Milhões de pessoas precisam deste alívio. Essa vontade de não ser essa identidade determinada pelo azar ou pelo avesso. Pelo erro ou pelo engano. Pelo justo ou pelo injusto.

Conheci a história que não vai ao ar porque este modelo de raciocínio não é admissível na sociedade que cadastra, exila, mata valores, tendo como arma a palavra: Um homem tido por todos como assassino e que salvou muitas vidas. Parece inexplicável, todavia matou o primeiro numa violenta brica de faca. O segundo quando deixou cair a arma da cintura; e ela disparou enquanto comia um sanduíche num paradouro de estrada. Cumpriu longa pena. Mais tarde tornou-se salva vidas. Tirou do afogamento mais que o dobro de pessoas que matou. Ah, quem deu ao não saber o nome de Deus? Registros.

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