A Espera
A Espera
- Um sócio que nem você...Tô bem arranjado...- bufou o sósia.
- Pode parar – disse o outro – eu tenho os meus predicados. Ali, acho que é ele, ajeita essa camisa.
O transeunte passou por eles sem lhes dar atenção. O céu estava encoberto. (Havia nuvens no céu).
- Pelo menos a menina da Lan House leu alguma coisa que ele escreveu? Ela gostou?
O outro balançou a cabeça, e estreitou os olhos para divisar a próxima figura que aparecia na quina do quarteirão. Então desferiu:
- Não sei se ela gostou...Normalmente ela gosta de tudo, mas você sabe, ela vive chapada. Ops, arruma a gravata, agora eu acho que é ele.
O transeunte passou sem notá-los. (Mesmo com o céu nublado, as horas também passavam).
- Então, ele vem ou não vem? – perguntou o sósia.
- Calma – pediu o outro – ele disse que vinha. Cheguei, inclusive, a mentalizar uma mensagem pra ele, dizendo que estávamos aqui.
- Quando foi isso?
- Sábado. Ele disse que vinha no sábado.
- Pomba! Você só pode estar louco, estamos aqui desde sábado, nesse coreto caindo aos pedaços, e nem certeza você tem? – exclamou o sósia, tremendamente impaciente.
- Preciso arriscar, você sabe, é o meu negócio... - suspirou o outro, olhando os outros transeuntes.
- Grande negócio... – escarneceu o sósia.
- Vendo jazigos pela internet – disse o outro, com muito orgulho – tudo ia bem, até que acessei esse tal de Recanto...achei que tinha a ver com jazigos, e, bem, não importa, de lá pra cá danei-me, não vendi nem um tumulozinho, gastei uma nota de Lan House e agora é a grande chance de faturar um troco.
- Faturar graças a mim, isso sim – trovejou o sósia.
- Epa – fez o outro – você vai ganhar uma comissão, já combinamos, assim que eu fizer a venda. Trata-se de um truque de comunicação. O sujeito chega, me vê ao seu lado, isso de certa forma será impactante, e a atenção dele se desvia do principal.
- Que seria?
- O que você acha? Falar de autores, literatura, versos, etc.
- Ele não sabe da sua, hã, condição? – espantou-se o sósia.
- Ninguém sabe – confidenciou o outro, como se alguém estivesse ouvindo – pela internet a gente engana até o Papa, mas ao vivo não dá. O sujeito é esperto, escreveu livros e tudo mais.
- Gente que escreve não é boa da cabeça – ruminou o sósia.
- Minha avó dizia a mesma coisa.
Ficaram quietos um minuto, observando as poucas pessoas que passavam em frente ao velho coreto.
- Tô com fome – disse o sósia – será que ele paga um almoço pra gente? Estamos desde sábado nesse relento, nada do cara aparecer, que dia é hoje?
- Quarta.
- Hummm, não senhor, hoje é quinta.
- Se sabe, por que pergunta? E que diferença faz?
- Ah, nenhuma, ele pode aparecer no próximo sábado, ou daqui 2 ou 3 sábados, será natal e...
- É preciso arriscar a venda...
- Uma venda à minha custa, tudo porque eu sou a cara do Kassab. Tudo pra você impressionar o sujeito – reclamou o sósia.
- Impressionar, não – protestou o outro – é só um ardil, ele te vê, me vê ao seu lado, isso comunica subliminarmente que somos amigos, ele desencana do papo literário, você começa a falar aquelas abobrinhas sobre o drama das sub prefeituras, ele se anima e já pensa no próximo livro, enquanto isso eu preparo a papelada do jazigo e entrego pra ele, você diz que é para ajudar uma ONG que ajuda as sub prefeituras, ele se encanta e na hora de assinar, hã...
- Bom, eu mesmo assino... isso eu já sabia – disse o sósia, desalentado – escuta, por que você não faz um curso desses de alfabetização rápida? Ainda há tempo, você está com 50 anos, isso o pouparia de tantos transtornos, veja por exemplo o caso das conduções, você vive tomando o ônibus errado. Aliás, por sua causa estamos nesse fim de mundo.
- Já aprendi a juntar silabas – volveu o outro – e chegamos aqui por sua culpa. As pessoas te viam no ônibus e não cobravam a condução...Fica frio, já já ele chega, Mentalizei, tudo vai dar certo, escritores canalizam...