Uma flor para a professora
Lembro-me de quando era criança e da primeira coisa que fazia ao me levantar com o primeiro raio de sol entrando pela fresta da janela. Antes de ir para a escola, colhia, na única roseira do quintal, uma flor para a professora. E ela me sorria e exalava um perfume como se pressentisse o grande gesto de generosidade para o qual estava destinada: ocupar o vaso com água da mesa da sala onde eu passava longas horas do meu dia aprendendo lições de amor, na presença do mestre.
Às vezes, a roseira não conseguia produzir todas as rosas de que precisava. Mas eu não podia deixar de presentear com a vida o carinho que recebia das mãos mestras que adestravam o saber cotidiano de todas as manhãs. Então passava em outros jardins para colher a tão desejada flor. Roubar é crime, eu sei. Aprendera isso também nas aulas de Moral e Cívica. Mas roubar uma flor para dar à professora deixa perfume nas mãos de quem as oferece. É algo realmente místico. Eu me sentia imensamente grande no meu mundinho pequenino ao realizar tamanho feito. Nada podia pagar a satisfação que sentia ao arrancar-lhe do rosto um sorriso que ostentava orgulho de ser a pessoa mais especial do mundo. Os colegas zombavam e diziam que era pura bajulação, mas eu sabia que não era. No meu coração havia o sentimento mais nobre que podia existir.
Hoje me tornei uma professora, mas não tenho recebido flores. Não é pelo presente, mas pelo que o gesto representa. Acho que é simplesmente porque as rosas falam por si só e traduzem um sentimento de gratidão por algo recebido. Talvez a humanidade tenha deixado enlevar-se pelo materialismo do sistema que a corrompe, que esfria e emudece os corações humanos, esquecendo-se da grandeza presente no gesto de ensinar. Ensinar é traduzir em palavras todo o conhecimento do mundo. Ninguém ensina tão bem as ciências e as artes como o educador. Ele ensina com a alma e sente-se orgulhoso porque tem o poder de mudar os homens.
Faltam flores nos jardins. Restaram apenas os espinhos que ferem e machucam as nossas mãos. Talvez o ofício de ensinar tenha se tornado tão árduo e difícil, porque não nos dêem mais flores, nem se coloquem mais de pé quando adentramos a sala de aula. Sentimos saudade do brilho nos olhos dos aprendizes a cada vez que eles aprendem algo que não sabiam. Talvez esse brilho não esteja mais na alma, do contrário, refletiria nos olhos. Sentimos saudades daquele tempo... Reduziram nosso ofício tão nobre a uma pilha de papeis sem valor e sem sentido e nos deixaram sem voz diante das leis que nos calam e nos oprimem.
Não queremos flores sobre nossos túmulos. Queremos flores na nossa vida todas as manhãs. Reza minha alma que num futuro não muito distante as rosas e os gerâneos brotarão nos jardins. E a professora voltará a receber flores.