O NATAL DE NOEL

Emanuel caminhava lento pelas ruas da cidade. No ombro, além do peso dos oitenta anos passados, carregava um conjunto de roupas vermelha e branca.

Nos olhos, um brilho de esperança. No coração, a certeza de que por mais um ano carregaria consigo o emblemático título de Papai Noel, coisa que fazia há décadas.

O shopping estava repleto. Pessoas iam e vinham num frenesi alucinado de compras antecipadas para o natal.

A escada rolante transportava sonhos, que subiam e desciam, na mesma intensidade em que as ilusões de falsas necessidades se desfaziam ao findar de uma compra e se refaziam na próxima vitrine.

Sonhos e ilusões se fundiam nas coloridas luzes das imensas galerias.

Emanuel caminhava: irreconhecido ator do teatro da vida.

A barba branca, bem cuidada, documentava os verões passados. Os passos lentos comprovavam a lentidão dos dias e a solidão das horas, que se perdiam na linha do tempo, apagando da mente das pessoas o verdadeiro significado da velhice.

Agora faltava pouco. Mais uma quadra, de lojas e luzes, e veria despontar o tão almejado trono: o trono do rei Noel.

Emanuel parou. Uma pequena multidão aglomerava-se à sua frente. Com dificuldades embrenhou-se em meio aos empurrões e cotoveladas para ver a terrível cena: havia um Papai Noel em seu trono!

Suas pernas titubearam. O coração acelerou e a nítida imagem da verdade atirou ao chão seu mais sublime sonho, colorido de vermelho e branco.

Nenhuma palavra. O silêncio se fez rochedo em seu coração. As luzes que iluminavam sua aura se apagaram. A noite se fez em sua alma, e o caminho de volta para casa tornou-se um turvo rio.

Caminhou por horas solidão adentro, até assentar-se na sarjeta, já molhada pelo fino orvalho. Ao fundo, um terreno baldio fazia-se de lutuoso cenário. Olhos no infinito da noite; morada das lágrimas que caíam na finitude da vida, repletas de alma em agonizante espera. O sonho findara, e os vestígios de décadas de trabalho se esvaíram no ar, como a fina névoa que se rende aos primeiros raios de sol.

Emanuel chorou decepção e amargura. Decepção por não ter sido ao menos notificado da substituição. Amargura, por sentir-se insignificante após décadas de trabalho e sonho. Sentia-se nada, tal qual as ilusões que se desfaziam no semblante das pessoas, segundos após possuírem seus sonhos. Um nada desprovido de alma!

Um pensamento de morte sondou Emanuel. Cabeça baixa, coração partido, deixava-se levar ao fúnebre convite. O pulsar lento no peito cansado desacelerava o ritmo. Os olhos fechados viam a noite brotar em si, enquanto o silêncio era quebrado por um árido gemido.

Emanuel abriu os olhos, e na taciturna noite apurou os ouvidos. O gemido repetiu-se, agora mais longo e forte. Levantou-se e instintivamente fitou a negritude do terreno baldio que lhe servira de lutuoso cenário. A face molhada ainda refletia a incontida dor quando deparou-se com um casebre de zinco, com a porta entreaberta. Um respirar ofegante direcionou seu olhar para o fundo do barraco, onde uma vela dava seus últimos suspiros a iluminar o corpo desvalido da jovem senhora em trabalho de parto. Braços estendidos, sem palavras, implorava pela vida: não a sua, mas daquele que estava por vir.

Emanuel abaixou-se e suavemente acariciou-lhe a fronte. Resvalou-se para os pés da cama e pacientemente completou o parto, enquanto a madrugada deixava-se parir, dando a luz a um novo dia: era natal na alma de Noel!