As duas pontas da vida

Sinto que não consigo atar as duas pontas da vida.

Na sala de espera do consultório médico, estava lendo “A distância entre nós”, da indiana Thrity Umrigar. Eu lia a parte comovente em que a idosa Bhima é chamada a Delhi em um telegrama de urgência. Quando chega, descobre que sua filha e seu genro estão com os dias contados por terem contraído AIDS muitos anos antes. Bhima sequer sabia que tipo de doença era aquela e o médico rispidamente disse que não tinha tempo para explicar, pois era “médico, não professor”.

A porta de entrada da clínica se abre e um gracioso menino de no máximo 6 anos de idade entra correndo, forçando-me interromper a leitura. Bem vestido, com aspecto feliz e aparência de rico, compatível com o fato de ter convênio médico (já viu filho de pobre ter convênio?). Fala baixinho, muito bem educado.

Ele dirigiu-se decididamente à mesa de brinquedos (claro, clínica chique tem brinquedos para os pacientes pequenos), demonstrando a ansiedade pelo que encontraria ali. Rapidamente, escolheu homenzinhos e bichinhos de borracha e foi para o conforto da poltrona montar sua estória.

Brincou tão à vontade! Deitou, rolou, tirou os chinelos, sentou na cadeirinha, pegou outros brinquedos. Comportamento de quem é feliz, satisfeito, tranquilo consigo, com os outros, com o mundo.

Pensei então nas duas pontas da minha vida. Lembrei do passado, da minha triste e humilde infância. Não fui como ele, tranquilo, feliz, com convênio médico. Era um desconfortável transtorno quando precisava de consulta.

Pensei também no futuro. Não tenho um filho como ele. Muita gente se realiza por meio dos filhos.

Continuei observado atentamente aquele menino, cada gesto, expressão, reação. Ver a felicidade dá alegria.

Meus olhos ficaram inundados. Decidi fazer a caneta correr no papel ali mesmo na clínica. Escrever me fez entrar na sala do cardiologista com o coração confortado.

(Sanca, 04/03/2009)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 07/12/2010
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