"Tô qui, tô lá" - Filosofia jovem
Fim de ano. Férias se aproximando. Todos nós do 1º ano do 2º grau, antigo colegial (fico imaginando quais serão as denominações futuras e qual o objetivo de mudá-las), estamos cansados dos estudos. Uma dedicação ao mesmo tempo necessária, desgastante e prazerosa. Sensações antagônicas.
Estávamos em número reduzido a conversar descontraidamente na saído do colégio, ansiosos com os planos de viagens e expectativas diversas quanto aos dias que viriam e as tensas provas que ainda não findaram. Novas antíteses perpassavam o jovial íntimo de cada um sinestesicamente. Coisas de jovens. Certamente um dia não nos entenderemos. Hoje não nos entendemos por não preocuparmos com isto, imagino. Nada de filosofias. Ou quase nada...
O Emerson, totalmente extrovertido, de repente, quando menos se espera, após breve pausa, em meio a fins de risos, fala ao ver um senhor com semblante oprimido, cabisbaixo, passando próximo a nós.
- Muito engraçado isto. Pensar que eu “tô” aqui vivendo a minha vida e aquele senhor passa vivendo a dele.
Foram segundos de silêncio total. Nem a nossa respiração se ouvia enquanto nos olhávamos espantados. E veio então a inevitável explosão de gargalhadas uníssonas.
- O quê? – Pergunta ele, como se tivesse dito a coisa mais natural do mundo.
Não que não fosse natural e bem vinda uma reflexão profunda destas, ainda mais quando o senhor que havia acabado de passar, levava consigo muita expressão no rosto. Sensibilizaria qualquer pessoa. Mas o Emerson? Ah! Não. Este momento ímpar merecia ser regado a uma salva de gargalhadas joviais, assim como foi.
“Tô qui, tô lá”. Foi como começamos a chamar a teoria filosófica que surgiu de forma irreverente.
Com faces ainda mais rubras que a costumeira bochecha rosada, tentava se explicar a meios sorrisos.
- Mas é sério. Imagina só. Ele “tá” lá, vivendo a vida dele. Com os problemas dele.
Mais gargalhadas. Seria melhor calar-se caso não quisesse nos matar de tanto rir. Foi o que fez.
-Ah! Vocês não estão entendendo.
O certo é que mesmo com a mais profunda compreensão, não poderíamos perder a oportunidade que tínhamos nas mãos. Era a nossa vez. Normalmente era ele quem começava as gozações.
Após desopilados os fígados, nos despedimos todos com os olhos marejados e espasmos restantes de risos. Cada um para o seu canto.
- Ai...ai... – Suspirei.
Enveredando pelo meu velho caminho até o ponto de ônibus, fui observando inevitavelmente os transeuntes que passavam. Cada um com um semblante, cada olhar com um pensamento. Voltei a memória para o episódio cômico que acabara de vivenciar e coloquei-me a refletir.
- O que será que está pensando agora, cada um da turma? E o tal senhor? Quais paisagens urbanas lhes preenchiam os olhos neste momento?
Repentinamente percebi que eu “tô” aqui e eles lá. Cada um na sua vida, no seu caminho.
- É! O Emerson tinha razão. Engraçado isto.