O ATALAIA DA RUA ATALAINHA

O marulho era ocasionado pela força do vento sobre as águas do oceano. O mesmo vento açoitando as palhas dos coqueiros causava silvares e fazia com que um par de lábios, desconhecedor do tal fenômeno, tremessem; Eram os lábios de um raquítico menino que, amedrontado, parecia comprimir-se mais e mais de encontro do fundo de uma velha rede de algodão. Poderia imaginar, pelos tremores dos lábios infantil, que orações poderiam estar sendo proferidas em surdina; e ainda, que tais orações seriam pedidas para que a noite logo fosse embora; que Papai do Céu protegesse os seus irmãos que dormiam, quais anjos, dentro de encardidas redes estendidas no corredor da velha casa de massapé; e até mesmo, proteção para a sua mãe que roncava enquanto imaginava estar a dormir em um confortável colchão, mas, na verdade, era apenas um velho colchão de palha de sapê, embolorado pelo xixi da irmã mais nova do pequeno e raquítico menino, que impaciente esperava que o Sol adentrasse a casa. Ele não via a hora de que a réstia invadisse a cumeeira encoberta por palhas secas de coqueiros, dobradas, para que assim o casebre ficasse protegido da chuva e do sol tão esperado.

Aquela noite era apenas mais uma, dentre tantas, que o garoto passava às claras, pedindo a Deus para que a Lua fosse logo embora e que o Sol aparecesse.

As suas preces, silenciosas, não pareciam serem ouvidas e chegou a pensar em rezar alto para que assim Deus pudesse ouvir seu desespero nas morosas madrugadas, mas, como não rezar em silêncio se os sons produzidos no mar e coqueirais lhes assustava?

Também pedia a Deus, naqueles difíceis momentos, que aquela noite infindável, resistente e teimosa tivesse fim. E a noite, mesmo teimando em ausentar-se, era expulsa pelos raios solares que invadiam os seus espaço do dia. O Sol surgia com a firmeza, algo tão peculiar na região Nordeste. O rei ocupava o seu lugar, e vencia as secas palhas de coqueiros que cobriam o casebre.

Assim que a Lua era expulsa, como que tivesse recebido uma carga de energia, o menino, sem preocupar-se que os cadís da velha rede de algodão pudesse romper-se, lançava suas finas pernas fora da rede; e seus membros iam ao encontro da parede de massapé que servia de suporte da mesma rede. Depois fazia alguns movimentos; uma, duas, três vezes... e cada vez mais a rede pegava velocidade de balanço quando por fim, como que estivesse farto de tanto brincar, num impulso e perspicácia de um exímio equilibrista de circo, seu corpo era projetado para fora da rede. Instantes depois seguia pelo estreito e curto corredor cuidadosamente para não tocar nas redes e seus irmãos despertassem, chegava até porta. A mesma porta que falsamente fornecia uma segurança inexistente para todos que naquele casebre dormiam. Já frente da frágil porta, girava a taramela lentamente a 90º, e a porta lentamente era, por fim, aberta.

Não muito longe, a menos de vinte metros, sorria ao notar o caudaloso Rio Japaratuba com seus remansos e pequenas marolas que iam de encontro às margens corroídas pelo desgaste das marés de março.

O garoto depois que olhava para o alto como que preocupado com o clima, deixava transparecer na sua pálida face mais um sorriso. Pois ele sabia que no céu não havia nem mesmo um pequeno sinal de alguma nuvem carregada, perdida. Naquele momento olhava em direção de centenas de coqueiros. Seu olhar fixava-se em um determinado lugar... era direcionado em um velho coqueiro de forma sinuosa. Daquela última vez, o sorriso do menino era mais solto. Quando então corria em direção da palmácea. A sua forma não comum de milhares de coqueiros que povoa o litoral sergipano e pode-se até ousar dizer, da região Nordeste.

Chegando ao rodapé, o garoto passava uma mão sobre a outra; olhava para a copa do coqueiro, e em menos de cinco segundos, seu físico composto por suas finas pernas e magros braços que abarcavam o toro e notava-se que o seu esforço não parecia ser descomunal.

Chegando próximo à copa, seus magros braços desprendiam-se do toro e apenas as pernas, encruzadas, ficavam como garras, onde se podia notar a sua perspicácia.

Por vários minutos os olhos daquele solitário Atalaia se projetavam no horizonte; a sua mão direita ia a altura da testa e buscava mais e mais o infinito horizonte. Aquela campana era quebrada pelo silêncio de maçaricos que passavam em zig-zag, quase rente ao sinuoso coqueiro, e pousavam junto a outros pássaros que corriam pelo areal de uma coroa (grande banco de areia) que ficava no meio do rio.

Aqueles pequenos pássaros não chegavam a surpreender o Atalaia, apenas tirava sua atenção por alguns segundos, quando novamente seu olhar ia ao longe pois, com a palma da mão sobre a testa, a buscar o infinito horizonte que se perdia na distancia, o pequeno Atalaia não conseguiu ver de onde vinha o marulho, ou mesmo os silvares que tanto o assustava nas noites, desejando que o sol logo aparecesse para que o sinuoso coqueiro pudesse ser novamente escalado... mas pelos olhos do menino via-se, ao longe, apenas fuligem dos esporádicos navios que passavam ao largo da costa de Pirambu, tendo como destino diferentes portos de outros oceanos.

Aquelas negras fumaças faziam com que o Atalaia acreditasse que no dia em que descobrisse de onde viam os sons que tanto o assustava, poderia dormir mais tranqüilo, sonhando os sonhos dos justos, os sonhos dos inocentes, pois um verdadeiro Atalaia pode não encontrar os sons que lhes assusta nas noites... mas, por sua sensibilidade, aquele Atalaia via e sentia que o horizonte era, e sempre será, apenas, uma pequena pintura artística, dentre tantas grandiosas OBRAS DE DEUS!!!

Esta crônica foi criada no bar do Cabral, na Taquara-Rio de Janeiro, 27/11/ 05.

Todos os meus trabalhos estão registrados na Biblioteca Nacional-RJ.

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 16/10/2006
Código do texto: T265749