ACIDENTADOS CORAÇÕES

Não faz muito tempo quando fui interrompido por um carteiro, que por ser meu conhecido, preferiu entregar-me uma missiva pessoalmente em vez de apertar o interfone.

Parei o meu afazer e logo pude perceber que a remetente, para mim, era uma desconhecida. Rasguei o envelope e li algumas linhas. Me interroguei, ainda indignado, e ao ler aquelas tolas palavras, mais ainda fiquei irritado; o que levaria uma pessoa a falar de seus problemas pessoais? E o que me interessaria seus problemas?

Ela, na carta, não falava coisa com coisa... não dizia nada. Qual o motivo do atrevimento daquela criaturinha invadindo a minha privacidade e o meu mundo a fim de importunar-me? E logo imaginei ser rebeldia tão comuns dos jovens.

Deixei a carta por ser lida e voltei a fazer o que tinha parado, ao ser importunado pelo carteiro. Mais tarde, se me sobrasse tempo, quem sabe, voltaria a ler... ri com os meus botões, como em protesto ao desaforo da remetente.

Terminado meu trabalho, nada mais por fazer, já era tarde. Reli a carta do início; e me surpreendi com as frases seguintes...as que eu não tinha lido, por achar insignificantes. Aquela filha de Deus estava prestes a cometer uma loucura. O motivo, para mim, homem maduro, era algo muito banal; ela estava apaixonada por um homem mais velho e de outra religião e seus pais, por serem católicos, não estavam aceitando aquele relacionamento. E foi nas frases seguintes que mais ainda me assustei; parecia estar a ouvir as vozes, em símbolos gráficos, em súplicas: percebi que se tratava de algo realmente sério e não mais perderia tempo.

Fui até a esquina e acenei a um táxi. Informei o endereço ao motorista e ao chegarmos no endereço que havia no envelope, adentramos numa casa onde, cabisbaixas, várias pessoas rezavam e outras choravam, no meio da sala, a velar um defunto de uma jovem; a mesma que, teria imaginado que eu pudesse ajudá-la, que pedia socorro mas eu, na minha estupidez, não fui capaz de dedicar-lhe dois minutos de atenção... depois, estava eu lá, me lamentando, e até os dias de hoje eu continuo a lamentar do meu tempo que tanto imaginava ser precioso, tempo que nada vale EM RELAÇÃO A UMA VIDA!

Todos os meus trabalhos estão registrados na Biblioteca Nacional-RJ.

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 16/10/2006
Código do texto: T265743