MINHA BERMUDA VELHA .

 

     Não sou nem um pouco apegado a coisas materiais. Claro que ter uma boa casa, um bom carro, um certo conforto e não faltar nada do essencial e indispensável na dispensa, na geladeira e no guarda-roupa é ótimo, sem deixar de considerar que, tendo também um dinheirinho básico para pagar as dívidas, é uma benção.

     Particularmente tenho certas manias (e quem não tem ?) no mínimo curiosas tipo, não gostar de sapato marrom, gravata prateada, lenços de seda, pijama de bolinhas e algumas outras que são verdadeiras tolices para outras pessoas.

     Agora   por exemplo, estou pesaroso porque está chegando a hora de aposentar minha bermuda jeans. Não é uma bermuda jeans qualquer. É minha bermuda preferida, testemunha de tantas passagens e experiências da minha vida e que carrega várias marcas , manchas e remendos com orgulho parecido ao de quem tem medalhas de guerra (se bem que não entendo e odeio guerras).

     O interessante é que não tenho esse apego com qualquer outra coisa. Quantos pares de meias, sapatos e chinelos fazem parte do meu currículo e que não me lembro e nem sinto saudades ? Vários, inúmeros.

     E calças, mesmo as jeans, camisetas e camisas pólo ? Inúmeras. É, mas esta bermuda tem algo mágico e especial. Não é uma bermuda qualquer ! 

     Não foi presente, eu mesmo comprei. O bolso de trás está puindo mas e daí ? Não coloco nada lá mesmo. Tem um remendo sobre a coxa esquerda que tem história. Fui fechar a porta do carro segurando um pacote de compras de supermercado em cada uma das mãos. Resultado, parte da bermuda ficou presa e ao forçar a saída, acabei fabricando um enorme rasgo.

     Minha bermuda também foi testemunha de outras passagens muito boas, tipo, o dia em que ensinei minha neta a andar de bicicleta. Teve uma hora em que nós dois caímos , ela sobre um belo gramado de um florido jardim e eu sobre resíduos, digamos assim, de coco de cachorro. Ficaram as marcas , o cheiro e a lembrança das gargalhadas da minha neta.

     Isso, eu e minha bermuda jamais vamos esquecer. Outra lembrança inesquecível foi quando a cadelinha que minha mulher acabara de adotar fugiu porque eu tinha deixado o portão aberto. Como corremos atrás daquele animal!

     Suamos, cansamos, tropeçamos, caímos mas finalmente pegamos a vira-latas que de tão nervosa e agitada urinou onde ? Nem preciso dizer.

     Minha bermuda conheceu vários lugares, no meu carro, de ônibus e de barca. Já tomamos banho de mar, de chuveiro quente e de chuva. Já andamos à cavalo, caímos na lama e na poeira de um campinho de futebol.

     Comigo ela já deu e recebeu abraços, me viu beijar e ser beijado e certamente deve ter achado muito engraçado os meus micos bem como as broncas da minha mulher. Afinal foi testemunha privilegiada.

     Nos seus bolsos já carregou moedas, meus documentos e a carteira de dinheiro, onde teve a oportunidade de receber uma nota de cem reais só uma vez. Já deixou cair as chaves do portão da garagem, mas acredito que a culpa foi muito mais minha do que dela.

     Hoje minha bermuda está velhinha mas já foi vistosa, brilhosa e cheirosa. Tenho certeza até que já foi olhada com inveja. Agora, no máximo poderia servir para pano de chão, o que aliás, jamais vou permitir.

     Vai chegar o dia, e não está tão longe assim, que minha amiga querida vai ser lavada pela última vez. Vou até comprar um pacote de sabão em pó, dos mais caros. Amaciante também, o mais cheiroso.

     Depois de molhada, lavada e enxaguada vai ser passada também pela última vez, embrulhada num papel de presente e talvez , se eu encontrar, o pacote vai ser amarrado com fita vermelha. 

      Em seguida após um forte abraço, vai para a lata do lixo, sem antes ouvir sinceras palavras de despedida....


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.....texto originalmente publicado no Recanto das Letras em 22/02/2008.....




                                                                                                 




(.....imagem google.....)

WRAMOS
Enviado por WRAMOS em 06/12/2010
Reeditado em 28/03/2013
Código do texto: T2656968
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