O Brasil de baixo para cima
Estou lendo “Ponto de Cultura – o Brasil de baixo para cima”, de Célio Turino. Mostra um Brasil real, dos cafundós, das aldeias indígenas, dos mutirões, dos quilombos, um Brasil desconhecido e finalmente prestigiado por uma política cultural inclusiva que democratizou os recursos para a cultura através dos Pontos de Cultura, ideia desse Célio Turino, convidado que foi por Gilberto Gil para preparar essa teia que hoje cobre o país.
Célio Turino é verdadeiro no seu livro. Mostra a beleza do Brasil que o Brasil não conhece, o gosto da diversidade cultural e humana, o encanto de um país que busca ser realmente uma nação de todos. Mas Célio também não esconde as dificuldades que enfrentam os que estão à frente dos Pontos de Cultura por causa da burocracia cruel. Ele visitou várias experiências de Pontos de Cultura, desde uma favela em Fortaleza até a aldeia dos Yawalapíti, no Parque Nacional do Xingu. Mostra como nasceram e como sobrevivem esses Pontos de Cultura em meio às dificuldades burocráticas, má vontade política e limitações próprias de pessoas despreparadas para lidar com tanta papelada e tantas regras.
O Governo até que teve boa intenção. Cansou de mandar verbas para as prefeituras e ver esses recursos serem desviados. O Ministério da Cultura achou por bem tratar diretamente com os agentes culturais onde existe uma instituição que seja realmente comunitária e que trabalhe com arte e cultura. Trata-se de ação direta com o povo, sem intermediação. Assim nasceram os Pontos de Cultura. Mas é da própria natureza do Estado complicar a vida do cidadão. O Governo financia a compra de equipamentos e pagamento dos oficineiros, mas fica por conta das entidades o pagamento de despesas administrativas. Aí é que a porca torce o rabinho! Sem quase nenhum recursos próprio, os Pontos de Cultura não podem pagar um contador e se complicam na prestação de contas, que é complexa. A legislação é ainda mais confusa e intrincada, precisando de um advogado para trabalhar com plena segurança neste setor. Também não pode aplicar os recursos do convênio nisso, muito menos no pagamento de aluguel, em energia elétrica, telefone, água, internet, manter a higiene do local e pagar os impostos do prédio. Resultado: os problemas às vezes são maiores do que a alegria e o prazer de ver florescer um local onde se constroem alternativas de transformação da realidade.
Célio conta o caso da favela do Pirambu, em Fortaleza, onde o líder Damasceno dá notícias de jovens que saíram das drogas, outros que conseguiram emprego, uma jovem que entrou na faculdade, os bons atores que estão se revelando, o inventor e suas engenhocas, e a velha moradora que foi agradecer ao Ponto de Cultura “por ter feito que o Pirambu saísse das páginas policiais para virar notícia nos cadernos de cultura dos jornais”.
Em Itabaiana, o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar sofre esses mesmos problemas e pode contar essas histórias a partir da vivência com os jovens participantes das oficinas de música, teatro, dança, artesanato e rádio comunitária. Fazemos coro com Célio Turino, o criador dos Pontos de Cultura: o Estado brasileiro precisa facilitar as coisas para esses agentes culturais da comunidade, respeitar mais essas pessoas e instituições do povo, assumir suas responsabilidades de forma clara. Estamos sem receber os recursos da segunda parcela do convênio há três meses. Sem dinheiro, não dá para movimentar o Ponto de Cultura que por sua vez fica sem condições de gerar renda. São mais de cinco meses de atraso no aluguel do prédio. As despesas ordinárias de água, luz, telefone, internet e pequenos investimentos promocionais são bancadas por mim, que não desisto fácil, e por iniciativas do nosso grupo, como rifas, vendas de camisas, leilões e outras pequenas iniciativas para arrecadar dinheiro. Os oficineiros e monitores não estão recebendo seus pro-labore. Tem gente que mora em João Pessoa e vai dar aulas no Ponto de Cultura, está bancando passagens e estada por conta própria, só pelo amor ao que faz.
“Os silenciados querem ser vistos e se fazer ouvir e sempre há pontos que resistem”, diz Célio Turino. Mas também querem ser tratados como os ricos empresários privados que pegam recursos do Governo para aplicar em projetos particulares, conforme seus critérios e conveniências, e têm suas vidas facilitadas.
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