QUASE UMA PARTEIRA
Naquela noite chegara a minha casa um casal de amigos, residentes em outra cidade e resolvemos sair para tomarmos uns drinques, ou lanche, ou jantar, qualquer coisa, não é o que importa. Enquanto eles ficaram na sala, fui me arrumar. O marido de minha amiga saiu ao jardim para fumar e nisso chegou um homem, pobremente vestido, perguntando se nós podíamos chamar o resgate. Explico: “chamar o resgate” é pedir ajuda médica, que vem através do Corpo de Bombeiros.
Meu amigo pediu para que ele esperasse e me chamou.
Solícita, perguntei-lhe pelo endereço para aonde devia mandar o resgate e ele respondeu que estavam, ele e a mulher, embaixo da marquise de uma lanchonete fechada; eram moradores de rua e a mulher estava em trabalho de parto!
Mais do que depressa, fiz o pedido pelo telefone, dando meu nome e minha casa como referência, pois a tal marquise era bem perto de casa.
Imediatamente, chamei minha amiga e fomos até o tal lugar.
A mulher estava deitada em cima de panos velhos, rasgados e sujos, de onde exalava mau cheiro. Conversei com ela e pude perceber que as contrações estavam muito próximas, mas muito próximas mesmo!
Situação periclitante!
Marquei no meu relógio e vi que a freqüência das contrações indicava já a fase de expulsão.
Apesar da situação inusitada por não ter experiência, apesar de ter tido seis partos normais, não tive dúvidas. Mandei que o marido fosse ficar no meu portão junto ao meu amigo à espera do resgate e disse à minha amiga que se preparasse para ir buscar em minha casa tudo o que fosse precisando para fazer o parto.
Ajudei a pobre mulher a tirar a roupa de baixo, cobri com seu cobertor ralinho e apalpei-a. Pude sentir que já havia dilatação suficiente, pois tinha conseguido medir com meus quatro dedos juntos. Sorte nossa que eu havia acabado de tomar um banho!
Disse a ela que não tivesse medo, falei-lhe coisas brandas e boas, disse que não se importasse que, se preciso fosse, eu faria seu parto ali mesmo, dando-lhe o amparo que precisasse. Que tudo iria correr bem!
Ela ficou mais calma e até conversou comigo, contando que tinha outras duas meninas de nome Vitória e Letícia, que estavam com parentes em outras cidades, pois eles não tinham coisa alguma que permitisse que elas estivessem junto a eles.
Quando vinha a contração, fazia respirar bem de manso, como eu fazia na mesma situação e aí ela começou a fazer a força de expulsão.
Justamente nessa hora, meus amigos me avisaram que o resgate estava chegando. De fato, chegaram de imediato e o para-médico pediu-me que permanecesse com a mão embaixo da mulher a fim de receber a criança caso fosse necessário e, levantando-a puseram-na na maca e foram levando para dentro da viatura. Lá dentro haveria melhores condições para a pobre mulher. Haveria luz, medicações, panos assépticos e conforto. Eu já sentia a pequena curvatura da cabeça do bebê!...
Foi o que fizemos eu, o para-médico, mais dois bombeiros, um enfermeiro e o motorista. Foram embora com a maior rapidez!
No dia seguinte, um domingo de sol, bateram à minha porta; era o marido da tal mulher; comunicou-me que tinha nascido uma menina dentro da viatura, já pertinho da maternidade. Disse que a mulher e a criança estavam passando bem. Perguntou meu nome e disse que, assim que a mulher saísse do hospital, a traria para me mostrar a criança.
Uns dias depois, atendendo à porta, deparei-me com o marido, a mulher e em seus braços o bebê.
Fiquei muito feliz de vê-los todos bem e agradeci a consideração de trazê-la para eu ver. A menininha era muito gordinha e bochechuda. Uma gracinha. A mulher me disse:
- Em homenagem à senhora, a menina vai ter o seu nome. Vai se chamar Raquel.
Nossa, que alegria! Nem sabia o que dizer!
Dias depois os vi ao lado na casa de um casal vizinho; fiquei sabendo que estavam querendo dar a filha em adoção para eles. Fui até lá, e consegui dissuadi-los de tal decisão. Falei-lhes dos apertos que havia passado ficando sozinha muito cedo com muitas crianças e que a Providência tinha me ajudado a criá-los, a suprir sua subsistência. Nem me lembro mais quanta coisa falei.
Saíram dali.
No outro dia vieram-me dizer que estavam indo embora para a cidade onde estavam as outras duas meninas; tinham conseguido as passagens na Prefeitura e iriam fazer de um tudo para não se separarem mais das filhas. Estavam cheios de Fé e Esperança.
E podem ter certeza, estavam cheios também de muito Amor!
Assim foi que, em uma noite de verão, eu quase me tornei uma parteira! Graças a Deus.