CRÔNICA PREMIADA
Com a crônica abaixo ganhei menção honrosa no FESTIVAL CULTURAL BB. O prêmio foi uma viagem ao Rio de Janeiro, com acompanhante, e todas as despesas pagas(passagens aéreas, hotel, alimentação, transfer in e out, além de todos os passeios - ao Corcovado e ao Pão de Açúcar). Pela alegria que tive ao receber esse presente, compartilho com vocês o texto premiado:
A VIDA PEDE PASSAGEM
Vencendo o concreto na forma de planta, a vida brotou toda sorridente, quase bocejando, quiçá lânguida, vendo a luz do sol esplendorosa à sua espera. E veio à tona completamente embevecida e cheia daquela densa alegria a envolver-lhe os filamentos nervosos e seguindo por todas as áreas, para atingir generosamente seus ainda tenros ramos, em cada fibra deslizando aquela sensação gostosa de vida em explosão e paulatino crescimento. Embora insensível e pesada, a mão do homem, com suas complexas armações de cimento, areia e ferro e no seu esforço de concretar o solo das cidades, não logrou impedi-la de tornar-se um ser vivo. O pulsar da existência, garboso e invencível, explodiu em intensidade, em querer, em ser.
Conquanto um frágil ser, a planta, ansiosa por nascer e ver a luz, furou o quase inexpugnável bloqueio marmóreo - só Deus sabe como – e manifestou-se destemida em meio à aspereza do ambiente. Causou-me, por instantes, refletir acerca dessas veleidades súbitas da natureza que tanto encanto nos transmitem e nos fazem admirar a linda criação de Deus. De que maneira aquela pequenina semente conseguiu chegar até à marquise do terceiro andar para, enfim, num ato sem dúvida transcendental, transformar-se pulsante?, indaguei-me, sem resposta. E mais: onde, com sua fragilidade expressiva, encontrou as condições adequadas para penetrar na rigidez do bloco pétreo e imiscuir-se ladina por entre as células endurecidas e mortas do concreto? Em que recanto do lugar tão árido descobriu resquícios do adubo natural para seu alimento? Onde descobriu o fôlego para viver naquelas plagas secas e desprovidas de ânimo? Quem sabe? Quem pensa em ousar saber sobre essas artimanhas simples e ao mesmo tempo complexas da vida? Tudo certamente se deu na surdina, ali pelo silêncio dos dias e das noites, calmamente, longe dos olhos humanos como sói acontecer quando um novo ser está sendo gerado, não sendo necessário dar a conhecer os detalhes ou as minúcias do espetáculo em desenvolvimento. A diferença é que o inusitado deixou sua marca e chamou a atenção para a beleza do fato, isto é, o nascimento de uma planta no piso de concreto.
De modo que, semelhante a um estranho no ninho, tal qual o patinho feio, o verde ostentoso de suas folhas em realce, a aparentar um quadro surrealista pincelado de bucolismo, eis que, de inopino, apareceu e exibiu seu belo charme solitário em plena avenida congestionada pelo gás carbônico dos automóveis que passam tresloucados, secundados por pedestres por vezes com sacolas numa das mãos, puxando crianças ou idosos na outra, enfileirados como formigas, para espanto de quem não crê na vida. Então, e aí reside boa parte da beleza natural desse extraordinário acontecimento, molhada pelas chuvas e fotosintetisada pelos brilhantes raios solares, desenvolveu-se com o passar dos dias e foi estendendo seus instigantes galhinhos em derredor, indiferente às intempéries e esbanjando aquele aspecto saudável de quem sobrepujou as dificuldades com impetuosidade e saiu vitorioso. À guisa de um passe de mágica, metamorfoseou-se, quem diria, em algo como um bonsai sem nenhum cuidado especial, bem lá no alto, vívida, feliz, passando a fazer parte do cenário citadino. Os circunstantes em circulação pelo local olham para a parede suja do velho prédio do centro de Natal, na Cidade Alta e avistando, um tanto surpresos e um tanto maravilhados, aquela plantinha altaneira e atrevida surgindo do nada num ambiente deveras inóspito, mas claramente exultante pelo feito ainda sui gêneris porque não é usual, estancam, muitos deles extasiados com o vigor demonstrado. E ficam parados no vai-e-vém da multidão apressada a olhar para o alto, até meio abobalhados alguns, sorrindo tantos outros, diante da tocante cena que certamente atinge o cerne da sensibilidade dos enternecidos.
Por entre os pedregulhos do surrado edifício abandonado, situado bem no coração do burburinho da cidade grande, a vida surgiu com toda a força do seu poder sem interferência de ninguém, e nem poderia, evidente, mesmo que quisessem. Pois foi por demais distante do alcance da ação humana a sua explosão em milhões de átomos, que se completaram no silêncio cúmplice dos dias e das noites e se amoldaram nessa complexidade maravilhosa chamada vida, equilibrada, perfeita, cheia de vivacidade e harmonia. Embelezado ficou muito mais o aspecto urbano ante a presença inesperada daquele ser mirrado bem ali naquela marquise descorada e suja. A vida é bela e exuberante.