O QUILOMBO DO URUBU

No meio da Mata Escura, um imenso trecho da Mata Atlântica, bem longe de onde ficava a cidade do Salvador, num local de difícil acesso, havia uma grande comunidade de africanos nagôs fugidos do cativeiro, que florescia nesse local bucólico onde existe uma lagoa, a lagoa do Urubu, que os abastecia de peixes. A comunidade vivia quase às margens dessa lagoa.

Era um quilombo que já existia há algum tempo onde as pessoas viviam da agricultura, da pesca e dos frutos abundantes da região. Era uma região cheia de mananciais e rios.

Como o local era distante e bastante escondido, a comunidade tinha pouco contato com a cidade, propositalmente por causa dos perigos de serem descobertos. Só alguns mensageiros iam e vinham para saberem das notícias da cidade, deixando os quilombolas sempre a par das movimentações.

Salvador ficava bem distante, ocupando em sua maior parte a faixa litorânea. Os quilombolas do Urubu possuíam uma extensa área onde percorriam para caçar e coletar as frutas da região. Essa área ia até a região do Parque de São Bartolomeu com seus rios, cascatas e tinham acesso também à região de Cajazeiras, áreas que nessa época formavam a Mata Atlântica.

No local havia um candomblé de nagô, cujo “babalorixá” (pai-de-santo) era um mulato chamado Antônio. Era o local de culto do gentio.

No Urubu havia uma mulher de prenome Zeferina, uma das lideranças do quilombo. Zeferina era uma mulher guerreira e respeitada por todos.

Esses quilombolas, muito embora vivessem em paz, nutriam imenso rancor com relação aos senhores de escravos, pois sentiam o perigo e tinham conhecimento de que em Salvador outros africanos de diversas etnias, há muito tempo planejavam a tomada da cidade.

Com o crescimento da cidade do Salvador, já se podia sentir uma proximidade de pessoas que se ocupavam de terras da vizinhança e gradativamente tirando a privacidade do quilombo.

Uma revolta foi iniciada no dia 17 de dezembro de 1826, depois que alguns negros foram flagrados na noite do dia 16 por uma família de lavradores, roubando farinha de mandioca e carne seca para o quilombo.

Essa revolta foi planejada nas matas das Cajazeiras por negros que temiam ser denunciados pelos lavradores que os surpreenderam. Assim as testemunhas foram atacadas, inclusive uma menina mulata de 7 ou 8 anos chamada Brízida, que resultou mortalmente ferida. A partir daí, os quilombolas continuaram assaltando diversas casas das redondezas e levando os produtos dos furtos para o Urubu.

Com isso iniciou-se a revolta quando os capitães-do-mato tentaram surpreender os negros nas matas do Urubu. Cerca de 50 negros e algumas mulheres participaram da revolta em defesa da comunidade armados com facas, arcos e flechas, espingardas, facões e lançando o grito de guerra: “morra branco e viva negro”. Zeferina, destemidamente enfrentava os soldados de arco e flecha.

Três capitães-de-mato foram mortos e tiveram os seus corpos brutalmente mutilados. Um desses homens era um ex-escravo cabra e outros três (dois deles crioulos) saíram gravemente feridos. Se puseram em fuga e no caminho encontraram um piquete com 12 soldados da polícia vindos de Salvador para sufocar a revolta. A esses se juntaram mais 25 homens das milícias de Pirajá para atacar Urubu.

As forças do governo fizeram alguns prisioneiros, mataram três homens e uma mulher. O restante dos quilombolas se refugiaram nas matas. Uma força de 200 homens chegou da cidade, mas a revolta já havia sido sufocada. Conseguiram prender mais um homem que encontraram de ceroulas e com um profundo ferimento e acharam cinco cadáveres de quilombolas. Essa força teria vindo confiada nos rumores de que a revolta seria maior.

Zeferina enfrentou bravamente as forças policiais além de encorajar os seus guerreiros, tendo sido presa com muita dificuldade pela milícia de Pirajá.

Sufocada a revolta do Urubu, Zeferina foi humilhada, amarrada e desfilou dessa maneira até a Praça da Sé, com requintes de ódio e racismo por parte da população branca. Tanto Antônio como Zeferina foram condenados aos trabalhos forçados. Cerca de dez negros foram acusados pela polícia, sendo seis escravos e quatro libertos. Desses alguns foram devolvidos, uns tiveram destinações desconhecidas e dois morreram na prisão.

Segundo declarações da própria Zeferina, a intenção real dos quilombolas era aguardar na véspera de Natal, a chegada de mais escravos provenientes de Salvador para se reunirem no Urubu com o intuito de atacarem a cidade matando todos os brancos e adquirirem com isso a liberdade de todos os negros. Mas essa revolta foi abreviada após o episódio do flagrante da noite do dia 16.

Em três casas da comunidade, foram achados diversos objetos do culto de candomblé: “chocalhos, atabaques, conchas, estatuetas, torsos, panos e diversos outros adereços”.

Infelizmente, do Quilombo do Urubu resta apenas a bela lagoa, a lagoa do Urubu (no local hoje conhecido como Brasilgás) que vem sendo gradativamente assoreada e aterrada, numa tentativa criminosa de apagar definitivamente mais uma história do povo negro.