23. Roma – Termini
Não tenho outro remédio senão estar sentado no meio do chão da estação Roma – Termini diante do ‘binário’ 3 (cais). A solução seria estar de pé. Já estava farto. Olho de vez em quanto pelo canto do olho, para o painel electrónico, enquanto troco mensagens com os meus filhos e escrevo este texto. Já lá está Bercy – Parigi? Não.
Não há cadeiras, bancos ou algo em que um corpo cansado possa descansar o seu cansaço ou aborrecimento. Se se precisar de ir ao W.C., temos que ter à mão oitenta cêntimos certos. Só numa outra sala ao lado, existem umas seis ou oito cadeiras, bastante disputadas por idosos e grávidas. Quando se toma café, em alguns lugares apenas, há a esperança de nos podermos sentar.
Troco mensagens com a Filipa, sei por isso que chove na Ribeira Grande. Quanto sol queres que te mande daqui para aí? Não faças pouco pai!
Estou a escrever um texto a falar desta estação, achas que devo começar por esta palavra (não a vou escrever aqui, obviamente)?
Estico as pernas. Resposta pronta: não faças isso, pai! Não cairia bem. Levanto-me um pouco. Tenho todos os meus pertences úteis junto de mim: a mochila pequena e a bolsa do portátil. Cheguei à conclusão de que preciso de pouco para me sentir bem. Tens razão. Estás a ficar mais ajuizada do que eu. Isto é bom. Estás quase a não precisar de mim. Manda-me aqueles bonequinhos com cara feliz.
Gente, só gente, e mais gente, de todos os lados, uns parados a olhar para os painéis, outros apressados dirigem-se para qualquer lado, uns serão dinamarqueses, outros japoneses, eu sei lá, aqui há de tudo!
Dou por mim a gostar deste ambiente, estou aqui de propósito desde o meio-dia e qualquer coisa, já estava farto de Roma e do sol de Roma e sobretudo do Coliseu de Roma, com romanos de hoje a fingirem-se de romanos do tempo do Império romano para ganharem uns euros, aqui ao menos estou à sombra e vejo toda esta gente passar. Parece uma procissão sem andores. Nem incenso. Nem velas.
Há pouco fui pôr qualquer coisa na boca, depois, não levou muito tempo, deu-me sede e fui beber uma Pepsi gigante. Aí fiquei umas duas horas a passar a limpo dois textos que escrevera pouco tempo antes e li um pouco Leonardo da Vinci. As pessoas do café foram simpáticas, devem estar habituadas a gente como eu.
Voltei às mensagens, agora também com o meu filho Júlio, passei nisso mais de uma hora. Fui-lhes contando o dia até ali em Roma, contaram-me o estado do tempo e desabafaram a sua decepção pelo tempo não os deixar ir à praia. Que a Preta estava boa. O resto não me interessa para coisa nenhuma. Tenho os trastes de que preciso e estou com os meus filhos.
Antes ainda de vir para junto dos painéis onde se vêem os números, o horário e os destinos dos comboios, fui comprar pão fresco, presunto, leite, água e um enorme chocolate com amêndoa. A viagem daqui até Bercy é longa.
Do you speak english? Como dissesse que sim, o rapaz estrangeiro, pediu: pode emprestar-me a caneta? Sou do Afeganistão. De Cabul e este aqui ao lado é de Kandahar. Olhei. Talibã. Respondeu-me, espero que na brincadeira. Vai para Paris? Sim, então vamos juntos.
Querem chocolate? Ofereci. Um deles aceitou.
Uma estação da importância desta de Roma Termini, é um lugar como se fosse um sem lugar, tal como um aeroporto ou um porto de mar, as pessoas estão aqui de passagem e querem sair daqui o mais rapidamente possível.
Filipa, o texto está a chegar ao fim, não sei mais o que hei-de dizer, queres aproveitar para dizeres o que quiseres? Não sei.
Acabou, então.
Quando o comboio sair mando-te uma mensagem. OK, pai.
Roma, 10 de Julho de 2010