UM DIA NA VIDA DE UMA MULHER VENAL

Certa noite, saindo de uma reunião em determinado local no centro da cidade e indo rumo a um estacionamento, deparei com uma mulher aparentando uns 25 anos de idade, debulhada em lágrimas, chorando convulsivamente, agachada em plena calçada.

Ela estava na minha frente e parei um tanto preocupado com a cena. Perguntei-lhe o que se passava, se queria alguma ajuda.

A moça com a fala entrecortada por soluços me disse:

- Estava ali, na esquina, quando parou um carro muito bonito e o sujeito que o dirigia gritou assim:

- Sua vagabunda; mulher venal! e arrancou em alta velocidade. A palavra venal eu não entendi porque tenho pouco estudo, porém como o cara me chamou de vagabunda, entendi que era xingamento e aí me veio esta tristeza infinita e explodi a chorar.

- Expliquei-lhe mais ou menos, o significado da palavra venal e daí ela começou a falar com firmeza.

- Gozado, esta sociedade preconceituosa pensa que gostamos desta vida, nos consideram uma espécie de lixo. Mal sabe ela o que passamos; estou aqui não por opção, mas por necessidade, por exemplo: meu pai está internado em um hospital psiquiátrico há muito tempo, sem esperanças de cura; minha mãe é doentia e tem mais dois filhos ainda pequenos para cuidar.

- Tentei, durante muito tempo arranjar um emprego, todavia, as portas se fecham para quem não possui estudo ou qualificação. Estudei até a oitava série do primeiro grau.

- No princípio, lavava roupas para ajudar minha mãe, só que o dinheiro conseguido era tão pouco que não dava para sustentar a família.

- Então, fui obrigada a partir ao extremo. Prostituir-me.

- A gente sofre tanto nesta vida... Aquele sujeitinho que me xingou, com ares de pessoa muito direita, garanto que logo mais, não longe daqui poderá estar fazendo negócios muito mais condenáveis... E eu é que sou isso... mulher venal?

- Vendo apenas o meu corpo, entretanto, há quantos e quantos homens e mulheres que vendem suas almas como, por exemplo: certos políticos muito mais despudorados que eu, com seus "conchavos", "acertos" e, com o dinheiro do povo...

- Não é comum vermos nas campanhas políticas muitos deles se agredindo, ofendendo uns aos outros e, passada a eleição, estão abraçados, fazendo papel de grandes amigos, parecendo que era tudo fingimento e, alguns são até convidados para ocupar cargos na gestão do que foi eleito, numa espécie de barganha, conforme a gente vê na imprensa. E eu é que sou venal?...

Naquele momento percebi que a infeliz estava mais calma, entretanto, fiquei sem saber o que dizer. Naquele instante a pobre criatura possuía toda razão do mundo. Lembrei-me de Jesus Cristo quando disse: "Aquele que estiver sem pecado atire a primeira pedra".

Falei-lhe que conhecia uma família que procurava uma auxiliar doméstica e perguntei-lhe se não queria tentar. Ela hesitou um pouco, depois afirmou que sim. Passei-lhe o endereço, despedi-me e fui

meditando no que ela dissera e me perguntei: neste rebuliço todo que vemos no Brasil, quem será que é mais venal?

Quem será?...

PEDRO CAMPOS
Enviado por PEDRO CAMPOS em 02/12/2010
Reeditado em 02/12/2010
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