O AMANTE DO METRÔ

Fazia muito tempo que não me deparava com a vida do metrô aqui de São Paulo, principalmente depois do advento do telefone celular.

Essa coisa de celular é um caso sério mesmo, irritante ao extremo, e penso que precisaríamos de aulas de comportamento sensato e educado para que ficássemos livres das incômodas conversas paralelas que se travam nos celulares do nosso derredor principalmente nos locais públicos.

Não é de hoje que o metrô é considerado um vasto laboratório de observação para os bons observadores do comportamento humano, assim como também nos são os demais transportes coletivos da cidade, porém sobre os trilhos do metrô a vida do entorno é sempre mais rica e emocionante..como contarei a seguir.

Era assim que eu pensava quando obrigatoriamente me situei a ouvir a conversa inusitada daquele senhor de meia idade, elegante, com pinta de executivo e que sentava quase ao meu lado.

Segurava sobre os joelhos alinhados uma mala que sugeria um porta laptop, usava um terno escuro de minúsculas riscas de giz, cabelos comportados, discretamente ajustados num gel sem brilho, unhas feitas e brilhantes, gravata duma seda carmim com finas listras azuis e cheirava um leve aroma de homem que contrastava com o costumeiro odor do ambiente.

Ao atender seu celular, que soou numa clássica sonata de Bach, falava num tom baixo, porém não o suficiente para que eu, e acredito que alguém mais do vagão, não o ouvíssemos claramente:

-Eu já te falei, pára de me ligar neste número, nunca lhe prometi nada!

E pára de chorar, não gosto de mulher que chora alto! Minha mulher rastreia minhas ligações, e não quero problemas...

Claro que te amo, você ainda não percebeu?

O quê? Já te falei que não posso, ela é doente, muito doente mesmo, e precisa de mim. Sei, sei...claro, você também precisa de mim, eu sei disto, sempre soube, mas sinto muito, minha mulher precisa muito mais. Eu já te expliquei isso.

Quando eu puder nos veremos mas agora vê se me deixa em paz!

Desligou o seu aparelho que ainda tocou insistentemente mais algumas vezes, até que se interrompeu num Bach inacabado.

Não sei dizer o que feriu mais meus ouvidos...

Depois, disfarçadamente desatou o nó da gravata e seguiu no seu destino complicado de executivo enforcado.

Desci na minha plataforma aliviada, porém fiquei pensando o que seria de nós, todas as mulheres "doentes" deste mundo, (afinal somos tantas!) não fossem a dedicação e o altruísmo dos inúmeros homens existentes neste complexo universo machista...sempre dispostos a nos darem as mãos...

Relato verídico.