Apenas Única (BVIW)
Sozinha. Sempre reclusa entre as paredes que construíra a sua volta. Muros levantados pela indiferença que a impedia de olhar adiante. Desde criança retraía-se na sua mais absoluta solidão. Num mundo tão pequeno e íntimo que sequer dividia com alguém. Conformava-se com sua condição subjugada, aquém de qualquer esperança. Fizeram-na acreditar na existência do mundo feio, onde todos são segregados por muros e arames farpados. Sem contato. Sem palavra. Sem perfume. Foi criada para se defender de qualquer apego. Afeto. Amor. Pagava pelas frustrações de quem a criou, mas não sabia disso. Acreditava que a vida não passava de uma trágica coincidência entre óvulos e espermas num momento de prazer imediato. E só. Quando por vezes, o sol atrevia a enfiar-lhe os raios nas frestas do muro dela, ela sentia os olhos doer. E no ápice de sua angústia, mordia os próprios joelhos tentando arrumar alguma dor que a fizesse esquecer tanta luz.
Até que chegou o seu momento de transmitir a doença da vida. O sangue corria frio nas veias ao imaginar alguém sentindo as dores dela. Seu prazer imediato durou o suficiente a mais um fado do destino.
Apática. Sem força. Sentia o fim. Mas não se sentia feliz. Avisaram-na desde cedo que felicidade não existia e ela aprendeu a não se iludir. Já sem nenhum pensamento que a atormentasse, encosta-se ao muro que a amparou durante toda sua tragédia e seu silêncio se desfaz. O muro cai com o peso do corpo pálido e ela vê risos. Olhares. Cores. Era um muro de palha esperando dela o mínimo de audácia. Tarde descobre que seu sonho mais impossível era na verdade o mais simples. Com a barriga cheia de vida, cai ao chão deixando no canto dos olhos uma lágrima. No canto dos lábios um sorriso. Ambos impedidos de percorrer sua face.