Apenas Única (BVIW)

Sozinha. Sempre reclusa entre as paredes que construíra a sua volta. Muros levantados pela indiferença que a impedia de olhar adiante. Desde criança retraía-se na sua mais absoluta solidão. Num mundo tão pequeno e íntimo que sequer dividia com alguém. Conformava-se com sua condição subjugada, aquém de qualquer esperança. Fizeram-na acreditar na existência do mundo feio, onde todos são segregados por muros e arames farpados. Sem contato. Sem palavra. Sem perfume. Foi criada para se defender de qualquer apego. Afeto. Amor. Pagava pelas frustrações de quem a criou, mas não sabia disso. Acreditava que a vida não passava de uma trágica coincidência entre óvulos e espermas num momento de prazer imediato. E só. Quando por vezes, o sol atrevia a enfiar-lhe os raios nas frestas do muro dela, ela sentia os olhos doer. E no ápice de sua angústia, mordia os próprios joelhos tentando arrumar alguma dor que a fizesse esquecer tanta luz.

Até que chegou o seu momento de transmitir a doença da vida. O sangue corria frio nas veias ao imaginar alguém sentindo as dores dela. Seu prazer imediato durou o suficiente a mais um fado do destino.

Apática. Sem força. Sentia o fim. Mas não se sentia feliz. Avisaram-na desde cedo que felicidade não existia e ela aprendeu a não se iludir. Já sem nenhum pensamento que a atormentasse, encosta-se ao muro que a amparou durante toda sua tragédia e seu silêncio se desfaz. O muro cai com o peso do corpo pálido e ela vê risos. Olhares. Cores. Era um muro de palha esperando dela o mínimo de audácia. Tarde descobre que seu sonho mais impossível era na verdade o mais simples. Com a barriga cheia de vida, cai ao chão deixando no canto dos olhos uma lágrima. No canto dos lábios um sorriso. Ambos impedidos de percorrer sua face.

Marília de Dirceu
Enviado por Marília de Dirceu em 01/12/2010
Código do texto: T2647360
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