ENQUANTO HOUVER TEMPO
Nesta madrugada acordei com uma dor lancinante na cabeça.
Bem podia ser por ter dormido de mau jeito, mas como doía na nuca já fiquei preocupada. Uma artéria que arrebentou? Um aneurisma? O que tem mesmo na nuca? Cerebelo? Infarto cerebelar. È fatal, morte instantânea. Já li sobre isso em algum lugar. Se ao menos fosse num outro ponto, mas justo nesse?
Sentei na cama e comecei aquele ritual de quem luta para não morrer de medo: controlar a respiração, fazer massagem suave onde dói; rezar muito, prometer isso ou aquilo, essas coisas...
Passado o susto (era mesmo mau jeito) um outro medo, este mais real, tomou conta dos meus pensamentos: - e se eu morresse mesmo?
O que fazer com todo o meu amor guardado e tão pouco revelado, por tanta gente?
A quantas pessoas eu poderia ter dito simplesmente: - amo você – e não disse?
Quantos abraços mentais eu já dei, ao longo da vida, e que nunca se materializaram, por vergonha, descuido, timidez, por não ser uma hora apropriada, por medo da rejeição? Quantas despedidas eu deixei passar, sem demonstrar afeto fisicamente, e que bem poderia ter sido a última? Quantos beijos economizei!
Quantas vezes eu não pensei duas vezes em dizer palavras ásperas, publicamente, a quem amava e que, no entanto me faltaram os elogios que poderia ter feito e não os fiz?
Quantas mágoas eu devo ter causado por imprudência dos gestos e até mesmo do olhar e que nunca percebi, e aos que percebi, mas não dei importância, e agora?
Quantos mal-entendidos eu tive oportunidade de desfazer, mas que não julguei necessário por achar que compreenderiam. E se não compreenderam?
Que imagem de mim ficará aos que amei? Quais lembranças terão de mim?
Não tenho tanto medo de morrer como tenho de não ficar para aqueles a quem amo.
Sinto hoje um desejo imperativo de começar a me despedir, todos os dias, enquanto ainda houver tempo, porque quando o grande dia chegar, aí sim, sei que ficarei.
Como bem disse Renato Russo: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há.”
Nesta madrugada fui eu que parei pra pensar.