Impiedade por princípio

Conheço muita gente que acredita na necessidade de extermínio das drogas e por sua vez dos drogados. Esse hitlerismo moralizador coloca o estado como agente de limpeza da raça humana, que segundo ela, deverá ser sem vícios. A luta contra o narcotráfico baseia-se no aniquilamento e a imposição de um comportamento linear do homem em sociedade. A propaganda enfoca ao agentes que resistem na condição de protetores do mercado ilícito. Monitoramento caríssimo com veículos aéreos não tripulados e todo o aparato de libertação para nascer o homem sem máculas, livre da grande epidemia.

A palavra drogado é por si só discriminadora. Ofensiva, vazia e insipiente. Cafezinho diariamente, gradual e progressivamente produz danos irreparáveis. Café é uma droga. Lícita. Não há guerrra contra o café, nem contra o açúcar que produz amputações se ingerido em grandes quantidades. A própria malária acaba esquecida. O estado belicoso está substituindo com habilidade a sociedade de homens livres, que podem ou não consumir o que bem desejar de acordo com suas aptidões e deficiências, pelo homem espartano. O espartano só cria o individuo para a guerra e ela é bem pior do que multidões de drogados. Essa tendência de limpeza social culpa a droga e os drogados por todos os malefícios da sociedade. Ledo engano. Com farda ou sem farda todo homem armado é potencialmente alguém com a opção de matar.

Ao tentar estancar a entrada de drogas resta a pergunta: como ficarão os drogados? Multidões de drogados. A criatura às vezes mais discreta e profissional ao seu lado pode ser um drogado. O mais educado dos homens pertinho de você. O político contumaz mais avesso ao seu uso. O militar duplo mais perfeito e até a dona de casa mais adorável dos anos setenta, aquela que lava pratos ouvindo Hendrix.

Nunca haverá paredes para multidões mesmo que o mais ferrenho dos fascistas queira aniquilar todos aqueles que se dão as ilusões artificiais. A descriminalização das drogas pelo menos não move exércitos. Pelo visto não há um estado para o cidadão drogado na mente de um sistema rústico pendendo para as leis de ferro.

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