Estórias do Fim

O Primeiro Grito

Não dá para se contar quanto tempo passou, muito menos quanto tempo nos resta. Quando o mundo começa a rejeitar o humano, nem mesmo as medidas mais drásticas são capazes de nos salvar.

Simplesmente todas as indústrias foram destruídas, não restaram tijolos, não restaram prédios. Aqueles que não aceitaram as mudanças, foram os primeiros a morrer.

E quanto mais destruiam, mais completos sentiam. Mas nada mudava de verdade, os monstros dentro dos imundos seres chamados de humanos ainda existiam. As mortes, a inveja, a luxúria... Tudo havia perdido sentido.

Ainda havia, porém, um velho, um habitante das aparentemente inóspitas "planícies do diabo". Nunca descera, ninguém nunca o presenciou, mas todos que um dia tentaram atravesar tais planícies notaram seus rastros.

Eram planícies secas, não havia chuva, apenas tempestades de neve. As mesmas eram tão fortes que seriam capazes de matar a qualquer ser vivo que por alí estivesse no exato momento. Ainda assim, o velho morava sem precisar ao menos sair, ou pelo menos dizia a lenda.

As coisas nas outras terras também não iam bem. Famílias eram devastadas todos os minutos, desastres naturais eram tão comuns quanto o ar que se respira.

Um homem, no entanto, não pôde aguentar tamanha tortura. Tor Drown, seu nome, sobrevivente de epicentros, os mais caóticos até então. Mas não era a dor física que lhe preocupava, mas sim a idéia de todo seu esforço por uma sociedade melhor ter sido em vão. Subiu então, sem pensar muito, para as planícies do velho.

Uma realmente enorme escada separava-os. Horas foram necessárias para que o fim ele pudesse alcançar. Voltar sem uma resposta não era uma opção.

Grande decepção enfim, não haviam sinais de nada. Nada além de gelo no fundo e terras secas por, no mínimo, dois quilômetros. Olhou para baixo, sentiu o vento tocar-lhe o cabelo. Um sentimento estranho tomou-lhe por alguns segundos. Felicidade? Satisfação? Talvez. Talvez era culpa do ar rarefeito, ou da grande exaustação ao encontrar um alívio. Talvez...

Pensou em sentar-se, porém não o fez. Seguiu em frente.

Não fora preparado, não se vestiu de maneira correta, não para tamanho frio. Suas pegadas sumiam assim que seu pé era retirado da neve. Ajoelhou-se involuntariamente. Tentou levantar. Com esforço, conseguiu, não por muito tempo. Caindo finalmente, de olhos fechados, abraçando sua morte.

Acordou num local aparentemente seguro e quente. Uma casa, talvez, a casa do velho? Olhou em volta, tocou o chão, o local foi cuidadosamente revestido com peles de animais, de tal maneira que criou uma resistência térmica incrível. Uma porta se abriu, um senhor saía com uma bandeja e algumas xícaras.

-Nunca alguém chegou tão longe - dizia - Quais os seus motivos, meu jovem ?

-Não posso ver minhas tentativas falharem, pessoas que, ainda que me desprezaram, sofrem intensamente todos os dias... O senhor, consegue sobreviver neste local, com seus ensinamentos, talvez possamos sobreviver também!

-A mesma estória daqueles que tentaram me alcançar, mas sua perseverância e seus motivos me intrigam... - Olhou para uma outra porta - Siga-me...

Andaram por corredores que seguiam para baixo. Desceram vários metros, até que se depararam com uma porta de metal. Abriram.

Era imenso, admirável. Uma enorme extensão embaixo da terra, as planícies abrigavam então diversos seres. Os mesmos que darão continuação à vida no planeta. Um ambiente perfeito.

-És bem-vindo para ficar comigo. Chegou longe demais por seus ideais, merece algo...

-De certo, posso até merecer. Perdão, no entanto, não poderei ficar. Meus ideiais são de lutar pelos que ainda merecem. Ficando aqui, de nada valerá meu esforço.

-Pois bem... Devo avisar-lhe que o caminho de volta é mais perigoso...

-Deixe ser. Se for necessário, morrerrei lutando. Muito obrigado por tirar-me da neve, mas é para lá que voltarei.

Não pode evitar que Tor partisse. Deixou-o então. Sem avisar daquilo que encontraria em seu caminho de volta para sua casa destruída... O mundo.

- Continua...