O ORGULHO BASTARDO
Há um ditado popular que afirma: "Sarna só dá em cachorro magro".
Comportamentos insensatos, cheios de veleidades, onde certos indivíduos se julgam espécies de semideuses, inatingíveis, que, às vezes, em razão da fugaz posição que ocupam na sociedade, não raciocinam na exigüidade da vida terrena e menosprezam o semelhante.
Certa feita, tive o desprazer de presenciar a humilhação infligida por uns agentes públicos a um contribuinte e fiquei bastante chateado.
Os tais servidores agiam como se estivessem de posse de todos os poderes do mundo. Percebia-se que os mesmos olhavam com desdém, mandando o solicitante de um setor a outro, com a maior indiferença. Parecia estar estampado em seus rostos, cheios de orgulho bastardo: "aqui mandamos nós; somos o poder agora, o resto que se dane..."
Conversando com o munícipe, ouvi dele que, há semanas tentava agendar, sem sucesso, audiência com uma autoridade, entretanto, como experimentava tanta soberba dos que rodeavam o tal político, a este o contribuinte delegava toda culpa pelo seu dissabor, pois era inacreditável que o mesmo estivesse ignorando o que ocorria...
Indagou-me o cidadão:
- Esta gente tem orgulho do quê? Será que se julgam eternos no poder? Afinal, quem são eles?!
Pensei, então, que, almas de escol, criaturas espiritualizadas, sábias, detentoras da mais alta cultura, com poder de mando ou não, são simples e sensíveis, desataviadas, de fino trato, e, recordei-me de um conto lido ou ouvido algures, há muitos anos, traduzindo a bobagem do orgulho, mais ou menos assim:
"Estava um velho vigário na igreja quando, certa vez, se chegou um rapaz de ar atribulado, que queria a toda pressa confessar-se. Tinha um pecado horrível para ser absolvido. O padre levou-o pressurosamente ao confessionário. Fala filho, fala. Dize o teu pecado, que a misericórdia divina te absolverá.
O rapaz ficou silencioso, como sob o peso formidável da sua culpa.
- Mataste? Perguntou o sacerdote.
- Não!
- Roubaste?
- Também não!
- Profanaste o lar alheio?
- Nunca!
- Mas que pecado é o teu? Interrogou o velho vigário intrigado.
O moço deu um suspiro, um profundo suspiro:
- Padre, o meu pecado é um só, um único, mas enorme, horrível, colossal.
- Fala filho, fala.
O rapaz baixou a cabeça, deu outro suspiro e desembuchou:
- Padre, o meu pecado é este: sou orgulhoso como não há ninguém no mundo, orgulhoso como ninguém foi ainda na vida. Vejo tudo e todos abaixo de mim. Os homens, quaisquer que eles sejam, por mais ilustres e por mais cultos; por maior autoridade que tenham para mim não valem nada; julgo a todos e todos inferiores à minha pessoa. E isso me dói, padre, isso me faz sofrer. É um pecado que me pesa como um fardo. Não é verdade que é um grande pecado?
O vigário respirou fundo balançando a cabeça pausadamente:
- É, é. O orgulho é um pecado muito feio. Mas vem cá, meu filho, que razões tens para todo este orgulho? És rico?
- Fui sempre pobre, muito pobre, respondeu o moço.
- Mas naturalmente és de alta estirpe, os teus pais são nobres...
- O meu pai é um hortelão pobre.
- É que talvez as mulheres te suspiram; elas certamente te disputam, como se disputam um tesouro.
- Mulher alguma jamais ergueu os olhos para mim.
- Então a razão é outra; é que tens imensa cultura, um grande nome conquistado nas letras ou na ciência.
- Desde que saí da escola primária nunca mais abri um livro.
O padre ergueu-se:
- Vai, meu filho, vai para casa sossegado. Não tens nenhum pecado. Não és orgulhoso. O que tu és é bobo!...".
Até quando pessoas portarão o sentimento bastardo?
Não se sabe...